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Pubbl. Lun, 28 Dic 2015

A interrupção da gravidez e a tutela da vida humana desde o seu início: uma comparação entre os percursos legislativos

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Giustina Feola


À luz da recente resposta positiva sobre o direito ao aborto declarado pelo Parlamento Europeu, até que ponto os diferentes Estados tutelam o direito à autodeterminação da gestante?


A rejeição em Dezembro de 2013 da resolução Estrela (presentada pela eurodeputada socialista Edite Estrela), relativa à saúde e aos direitos sexuais, e também a recente aprovação da resolução Tarabella, deu crédito novamente ao debate europeu acerca do aborto.

A resolução Tarabella - cujo nome procede do seu autor Marc Tarabella, membro do S&D - foi aceite recentemente pelo Parlamento Europeu, embora tenha uma valência meramente política e não legislativa. Refere-se aos Estados membros para a adopção de medidas internas que têm o fim de colmatar as desigualdades de género. 

Entre os pontos da deliberação, insiste-se consideravelmente para a necessidade de permitir às mulheres o total controlo dos próprios direitos sexuais e de reprodução, também por um acesso praticável à contracepção e ao aborto.

A resolução não se refere somente aos procedimentos do aborto, promove também a igualdade de género, reconhecendo à mulher o direito de decidir em maneira autónoma, relativamente aos próprios direitos fundamentais.

Segundo os dados recolhidos na proposta de Resolução Estrela, a proibição ao aborto não sofre excepções na regulamentação legislativa de Malta, pelo contrário, os restantes Estados reconhecem o direito ao aborto. Portanto, nota-se que as condições de viabilidade do aborto mudam de país em país, com base nas regulamentações internas.

Resumindo, entre as circunstâncias que tutelam o aborto, podem ser elencadas:

  • o perigo da vida e da saúde física e mental da mulher; as más-formações do feto, a gravidez causada por um estupro.

As legislações nacionais mais tolerantes mencionam razões médicas, sociais e económicas que autorizam a mulher a interromper a gravidez. Neste sentido, fala-se do assim dito balanço dos interesses, uma prática utilizada para conjungar a tutela da vida a partir da concepção relativa ao direito de autodeterminação da mulher. Trata-se de compromissos que não se podem realizar com facilidade, e que implicam necessariamente a inexistência jurídica de um direito subjectivo ao aborto.

No caso da Itália, a lei n. 194/1978, que regula o acesso aos procedimentos de interrupção voluntária da gravidez, não menciona expressamente o direito ao aborto mas, o artigo 1 declara que "o Estado assegura o direito à procriação consciente e responsável, reconhece o valor social da maternidade e da tutela a vida humana desde o seu início". 

A inexistência de um verdadeiro direito ao aborto como direito positivo reconhecido em forma autónoma à mulher, resulta claro através da análise do texto legislativo. Os artigos 4 e a lei supracitada, de facto, disciplinam os casos nos quais pode ser exigido o aborto, calibrando esta faculdade da gestante em maneira restritiva e gradual, seguindo a evolução da gravidez.

Num espaço de noventa dias, a interrupção da gravidez pode ser autorizada se a mulher apresenta as condições pelas quais a prossecução da gravidez, do parto ou da maternidade pode pôr em risco a sua saúde física e psíquica, tendo em conta a sua condição de saúde, as condições económico-sociais e familiares ou, ainda, as circunstâncias nas quais tem acontecido a concepção, as presenças de anomalias ou más-formações da criança. Nesta fase da gravidez, muitas são as motivações que legitimam a mulher à interrupção de aborto.

Portanto, se a pessoa jurídica se torna o titular de interesses jurídicos significantes (merecedores de tutela segundo a regulamentação jurídica), durante os primeiros três meses da gravidez parece que não exista um sujeito (parecido ao recém-mencionado) portador de um interesse que contraste a vontade da mulher em interromper a gravidez.

Na verdade, a regulamentação não pode ser esclarecida com base nas teorias sobre a pessoa jurídica de forma axiológica enquanto, a ratio legis consiste em encontrar um compromisso entre o direito da mulher à autodeterminação e a tutela da vida humana desde o seu início. O balanço dos interesses opostos da mulher e do feto pode ser conseguido regulando a correspondência entre a praticabilidade do aborto com a condição da gestação. Durante os primeiros noventa dias, é reconhecido completamente à mulher o direito à autodeterminação como direito em decidir em maneira independente sobre a interrupção da própria gravidez. Neste arco temporal, o direito da mulher à autodeterminação deve ser contemplado com o direito à vida do feto. De facto, segundo o art. 6, concluída esta margem temporal, a interrupção da gravidez pode ser autorizada quando está submetida às condições que põem fortemente em risco a vida da mulher, isto é, caso se apresentem anomalias ou más-formações do feto, ao ponto que possam determinar um grave perigo à saúde física ou psíquica da mulher

Ao avançar da gravidez, o interesse para a vida do feto torna-se preeminente e pode ser sacrificado só diante do interesse oposto da mulher à saúde física, em perigo por causa da continuação da gravidez. Nestas circunstâncias, o direito à saúde da mulher - direito reconhecido pelo art. 32 da Costuição -, contrapõe-se ao direito à vida do feto. Entre o direito à vida e à  saúde de  uma pessoa já existente e o direito à vida de um sujeito que ainda não tem nascido, a tutela exclusiva cai sobre a primeira pessoa.

Além disso, segundo o art. 7, quando o feto adquire uma autonomia própria, é possível interromper a gravidez caso a saúde da mulher esteja em perigo levando, portanto, o doutor a adoptar todas as medidas apropriadas para salvaguardar a vida do feto. A não-configuração do aborto como direito autónomo e a tutela do preeminente direito à saúde da mulher são referidas pelos artigos 9 e 19 da supracitada lei n. 194. O art. 9  não admite a objecção de consciência por parte do pessoal médico quando a assistência torna indispensável salvar a vida da mulher. O art. 19 prevê que a interrupção voluntária da gravidez, fora dos casos referidos pelos artt. 4 e 6, constitua, pela mulher, um crime punível.

Na histórica sentença da Corte Suprema dos Estados Unidos relativa ao caso "Roe v. Wade" de 1973, reconheceu-se o direito ao aborto como ligado ao direito à privacidade, além de se um direito legítimo. O abortar considera-se, na verdade, incluído no direito à privacidade que por sua vez se traduz em um direito a não sofrer, sem a interferência do Estado nas decisões mais íntimas que envolvem o cidadão. A liberdade em escolher se abortar ou não é um direito tutelado pela Due Process Clause, introduzida pela alteração n. 14 da Constituição dos Estados Unidos. A Due Process Clause (cláusula do correto processo) incorpora o princípio do estado de direito dado que declara o seguinte:" nor shall any state deprive any person of life, liberty, or propriety, without due process of law" ("nenhum estado privará as pessoas do direito à vida, à liberdade, à propriedade sem uma regular licença da lei"). Nesta sentença, a interrupção da gravidez baseia-se na teoria dos trimestres: durante o primeiro trimestre, o direito à privacidade da mulher está confirmado incondicionalmente; durante o segundo trimestre, o Estado, através da promoção da saúde da mulher, tem a faculdade de escolher a técnica de aborto apropriada tendo em conta, em via exclusiva, o interesse em preservar a saúde da mulher (esquecendo qualquer tipo de tutela para o feto). Enfim, no período que segue à "viability", isto é, quando o feto vive em maneira autónoma, é atribuída ao Estado a possibilidade de proibir o aborto segundo, na óptica da tutela potencial da vida humana.

Nesta fase, o Estado pode então desconhecer o direito à privacidade da mulher e considerar preeminente o direito à vida do feto. O aborto deverá ser praticado igualmente caso resulte necessário para salvar a vida e a saúde da mulher.

Fica evidente que o direito à autodeterminação da mulher resulta mais ponderado na legislação estado-unidense que na legislação Italiana: o direito à liberdade de escolha da mulher em continuar a própria gravidez tem, na legislação Italiana, limites efectivos só quando o feto tem a capacidade de viver autonomamente fora do colo materno. Por outro lado, o aborto não tem limites só no espaço dos primeiros três meses de gestação.

A inexistência de um direito a abortar foi confirmado também com a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no caso A, B, C, v. Ireland em Dezembro de 2010. Na mesma sentença foram resolvidos três casos diferentes de mulheres que denunciaram a incompatibilidade entre a Constituição Irlandesa e a regulamentação do TEDH relativa ao aborto. Em particular, as mulheres A e B, cuja decisão de abortar dependia de razões que não estavam ligadas ao pôr em risco a saúde e a vida, lamentando uma ingerência do Estado Irlandês na própria vida. Dado que não existiam as condições para o aborto legal na Irlanda, as duas mulheres tiveram que abortar em outro lugar. O artigo 40.3.3° da Constituição Irlandesa, em oposição ao artigo 8 da TEDH, proíbe à mulher a decisão de abortar por razões ligadas a um geral bem-estar físico-económico e determina uma ilegítima intervenção do Estado na "vida privada" do cidadão. O art. 8 do TEDH prevê o direito ao respeito à vida privada e familiar e decreta a intangibilidade da esfera privada do cidadão por parte do Estado. Todavia, o Tribunal Europeu define que o mesmo direito não pode ser apelado em qualidade de direito ao aborto porque a decisão relativa à conclusão da gravidez não se refere somente à vida privada da mulher mas, está estritamente ligada ao interesse do feto que vai nascer. A decisão do Tribunal parte da pressuposição da inexistência de um direito ao aborto que pode ser relacionado no plano jurídico à mulher, procedente de um conceito genérico de "private life".

Pelo contrário, a Corte observa que o art. 40.3.3° da Constituição Irlandesa revela a particular sensibilidade do povo Irlandês em relação ao valor da vida. A Constituição Irlandesa, de facto, afirma no art. 40: “O Estado reconhece o direito à vida da feto e, com a consideração adequada para o mesmo direito à vida da mãe, assegura através das suas leis o respeito, a defesa e a reivindicação de tal direito”. Nestes termos resulta que o direito à vida do feto prevalece. Cabe observar que o direito da mãe não perde o seu valor jurídico, mas é limitado à tutela “na medida do que é possível”. O grau de protecção que a legislação Irlandesa atribui ao feto, foi interpretado pelo Tribunal como um instrumento para proteger a ética partilhada pelo povo Irlandês e, como tal, não implica alguma intervenção do Estado na esfera privada do cidadão, segundo a regulamentação do art. 8 CEDU.

Envia-se assim a cada Estado a regulamentação de um assunto como o aborto, que sugere considerações éticas que prejudicam a sensibilidade do povo considerando que o Estado seja capaz de interpretar o senso comum e de aplicá-lo no plano jurídico. A decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos demonstra a inexistência de um direito ao aborto que possa ser colocado entre os direitos fundamentais do homem e reconhece uma ampla margem de critério aos Estados para adoptar politicas legislativas necessárias ao balanço entre os diversos interesses da mulher e do feto. 

Um episódio análogo de carácter legislativo deve ser especificamente contextualizado. A sentença de 2010 coloca-se no processo de evolução da legislação irlandesa relativa ao aborto que, em 2013, culminou na formulação do “Protection of Life during Pregnancy Bill”. Trata-se de uma medida que introduz regras para a tutela da vida durante a gravidez e que recebe as orientações legislativas surgidas durante o caso “Attorney General v. X” de 1992. A nova lei não leva novidades porque reitera a proibição geral de aborto, coerente com a tradição legislativa Irlandesa baseada no Offences Against the Person Act de 1861 o qual, considerava um crime a interrupção da gravidez. Todavia, o recurso aos procedimentos abortivos é possível caso em que exista a necessidade de evitar “a real and substantial risk to the life, as distinct from the health of the mother”. Mais especificamente, as circunstâncias que justificam a interrupção da gravidez são reconhecidas expressamente pela medida e são constituídas pelo risco da perda da vida por razões de doença física (quando a saúde da mulher está em perigo), nos casos de emergência médica ou quando a mulher manifesta a vontade de um suicídio consequente a uma negação do aborto. Paralelamente disciplinam-se as medidas a seguir para interromper a gravidez, onde é preciso um notável número de técnicos, entre ginecologistas e psiquiatras, com base nos vários casos que se podem encontrar.

Embora a acção legislativa represente uma indubitável evolução da legislação abortiva na Irlanda, a excessiva complexidade dos procedimentos de autorização e a falta de previsões relativas a interrupção da gravidez em caso de incesto, violência física ou anomalias e más-formações do feto limitam consideravelmente a disponibilidade do governo Irlandês ao tema do aborto em comparação com a legislação Italiana.