Pubbl. Lun, 18 Dic 2023
Justiça restaurativa nos crimes econômicos: novas perspectivas frente a arrecadação e sanção punitiva
Modifica paginaautori Ricardo Vilariço Ferreira Pinto , Thiago Mafra Tancredo
No Brasil o sistema penal existente é o punitivo, ou seja, ao cometer um crime o cidadão passará por um devido processo legal, determinado na Constituição Federal Brasileira e no Código de Processo Penal, sendo que nesse procedimento será julgado por juiz que possui os poderes dados pelo Estado para impor a sentença punitiva. Ocorre que tais formas de punição consideradas como justiça retributiva, que é considerada uma mera punição do Estado ao infrator, bem como, uma forma de proteger a vítima, além de um conteúdo pedagógico a toda a sociedade de que aqueles fatos são considerados reprováveis e não devem ser repetidos, essa de forma sucinta, é considerada a política criminal brasileira.
Restorative justice in economic crimes: new perspectives on collection and punitive sanctions
In Brazil, the existing penal system is punitive, i.e. when a citizen commits a crime, he or she goes through due legal process, as determined in the Brazilian Federal Constitution and the Code of Criminal Procedure, and in this procedure he or she will be judged by a judge who has the powers given to him or her by the state to impose a punitive sentence. It so happens that such forms of punishment are considered retributive justice, which is considered a mere punishment by the state of the offender, as well as a way of protecting the victim, in addition to a pedagogical content for society as a whole that those facts are considered reprehensible and should not be repeated.Resumo: 1. Introdução, 2. As consequências da não contribuição e a sonegação fiscal: o outro lado do tributo, 3 Considerações finais.
1. Introdução
A arrecadação fiscal é de extrema importância para que um país tenha capacidade de se manter e desenvolver-se, o Brasil não é diferente, as arrecadações através de impostos federais, estaduais e municipais são capazes de manter os serviços públicos em todas as esferas da administração pública, sendo tema de estudos por muitos pesquisadores em razão de sua importância para o desenvolvimento social.
O grande empecilho na arrecadação fiscal no Brasil envolve no momento que o cidadão brasileiro, sendo ele pessoa física ou jurídica acaba por não realizar o pagamento dos impostos que são atribuídos a suas atividades, criando assim a chama evasão fiscal ou fraude fiscal, instituindo assim reduções significantes de arrecadação e consequentemente aos cofres públicos.
A presente pesquisa relaciona-se a analisar as possibilidades de utilização da justiça restaurativa como forma de conscientizar os infratores que não realizaram o pagamento de seus impostos sobre a importância de suas obrigações tributário perante a sociedade, demonstrando que o valor pago é revertido de ações estruturais e sociais que almejam a manutenção e evolução da própria sociedade.
2. As consequências da não contribuição e a sonegação fiscal: o outro lado do tributo
Além de todos os mecanismos fiscais de que dispõe o Estado, e dos deveres dos contribuintes com a sociedade para fruição dos direitos individuais e coletivos, torna-se necessário levantar que para fazer os anseios sociais que são de responsabilidade do Estado, para devolver os recursos em direitos, precisa de arrecadação.
Ressalte-se que o termo arrecadação, não no sentido autocentrado de proteger o patrimônio estatal, mas de olhar o outro lado, o lado que as receitas públicas podem sim influenciar na atuação direta do Estado para assegurarem direitos e combater a pobreza e as desigualdades sociais.
Neste ponto entre arrecadação e distribuição há uma grande problemática chamada evasão ou fraude fiscal, que lesa o equilíbrio da Administração Tributária e, consequentemente, o cidadão-contribuinte, para melhor elucidação do tema é oportuno a conceituação sobre a evasão ou fraude fiscal:
Dá-se o nome de evasão fiscal á prática ilegal tendente a ocultar o fato gerador ou a mitigar a dimensão da obrigação tributária, fazendo parecer fato não tributável ou camuflado os reais elementos das hipóteses de incidência tributária. (CAVALCANTI, 2023, p. 193).
O mecanismo de ocultar ou reduzir as obrigações tributárias demonstra que o sujeito ativo, ou seja, o contribuinte que realiza tais atos está cometendo uma ilicitude fiscal, que mesmo consciente sobre a contribuição ser um dever fundamental e inato do ser humano e elementar na fruição de direitos fundamentais, por contextos dubitáveis não contribui voluntariamente, ou busca outros meios de burlar as devidas contribuições.
A conduta criminosa vigora como ponto de retrocesso no atual estágio da sociedade organizada, a falta de recursos faz com que o Estado não atue ativamente para alcançar os objetivos traçados pela Constituição Cidadã, como na construção do justo tratamento aos semelhantes, sem qualquer tipo de discriminação social, econômica ou cultural, base mínima da dignidade da pessoa humana.
Quanto à importância do tema, o professor Felipe Faria de Oliveira traz uma visão do sistema de arrecadação, sob o aspecto de expressão de igualdade constitucional, ao atribuir a importância da utilização das receitas em benefícios dos anseios coletivos:
Sendo responsabilidade do Estado atuar de forma a minimizar as desigualdades que assolam a humanidade, pode o mesmo direcionar parcela dos recursos angariados pela atividade tributária para as camadas mais necessitadas por meio de prestação de serviços públicos. É a própria ideia de um sistema tributário possibilitando a concretização de um aspecto social que até então era tido por ausente na matéria fiscal (2010, p. 130).
Como visto, desferindo o viés arrecadatório dos tributos, mostra-se que a sua finalidade está derrogada à capacitação dos agentes e da estrutura estatal para consecução dos direitos fundamentais, ou seja, a justiça fiscal molda todas as espécies tributárias, acentuando o caráter social e redistributivo.
Em suma, a justa arrecadação tributária não garantirá somente os direitos sociais, conforme debatido, mas toda a gama dos direitos fundamentais, uma vez que todos os direitos têm custos e precisam da ação do Estado para serem efetivados. Referente a aplicação e respeito dos direitos fundamentais, o professor Eduardo Muniz Machado Cavalcanti faz o seguinte alerta:
O Estado não pode provocar qualquer intervenção tributária que afete negativamente a competição de mercado, salvo se devidamente justificada na própria concepção de concorrência ou de relevantes interesses econômicos e sociais, constitucionalmente válidos (CALVALCANTI, 2023, p. 54).
Portanto, o Estado pode até mesmo intervir na economia do país para que seja efetivado e aplicado os direitos fundamentais dispostos na constituição brasileira.
Quanto às infrações tributárias, mostra-se claramente que essa forma de conduta de não recolher ou sonegar o tributo como retaliação contra as investidas da pessoa política competente, não opera a desfavor do referido órgão como forma de desfalcar sua receita e diminuir o seu patrimônio, porquanto o embate fiscal tão somente prejudica a sociedade em si, visto ser a legítima titular dos tributos, pois as exações pertencem a todos.
Portanto, a prática do crime tributário expressa a violação do dever de cidadania fiscal, ao desestruturar a relação jurídica estabelecida ente o ente político e o sujeito passivo da relação tributária. O descumprimento da obrigação tributária por parte do contribuinte não gera somente uma vantagem indevida em face da Administração Fiscal, mas também implica uma diminuição das receitas tributárias e, automaticamente, na redistribuição de riquezas (GALVÃO, 2015, p. 184–185).
Os delitos contra a ordem tributária encontram-se expostos na Lei nº 8.137/90. O artigo 1º dessa Lei tipifica a conduta do agente que suprime ou reduz tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante uma série de condutas, descritas nos respectivos incisos (MARTINS; SANTOS, 2022, p. 37).
O artigo 2º traz as hipóteses referentes às condutas ilícitas praticadas no lançamento e na constituição do crédito tributário e no pagamento, e não mais no fato gerador da obrigação tributária (HARADA; FILHO; POLIDO, 2014, p. 154).
Em sua essencialidade, referidos crimes são classificados como de natureza material ou de resultado para ensejo da norma penal tributária. Como exemplo, cita-se o tipo incriminador do artigo 1o da Lei nº. 8.137/90, que estabelece as seguintes condutas:
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Deste modo, constitui crime na ordem tributária a supressão ou redução do tributo, ou contribuição social e qualquer outra obrigação tributária acessória. Todavia, a conduta isolada do agente não tipificará a exação punitiva, sendo necessário para sua consumação que a conduta ilícita produza evasão à obrigação tributária.
Referidos dispositivos penais são a amostra de que o Estado está comprometido com o financiamento das prestações públicas, visto que a arrecadação tributária é a principal fonte de renda para o Estado. A devida preocupação não se concentra somente na proteção do patrimônio corporativista, mas na estrutura do sistema fiscal que está comprometido pelo mandamento constitucional na busca da justa redistribuição dos direitos para combater a pobreza, a marginalização, bem como reduzir as desigualdades sociais (GALVÃO, 2015; SANTOS, 2009).
A problemática de não contribuir, independentemente dos métodos coativos e repreensivos para inibir o infrator, aos olhos das vítimas, da sociedade, intercorre infelizmente uma aceitação social tácita quanto ao presente fato, quando a vítima ainda não reage ou postula categoricamente à punição do sonegador. Com a palavra, Gregório Robles:
A infração da norma social é considerada grave quando afeta um valor essencial, de capital importância para o grupo; para tanto, a reação será severa, contundente. Quando, ao contrário, o valor afetado é considerado de escassa importância ou de hierarquia inferior, o sentimento de indignação será leve e difuso, e a reação, caso ocorra, será suave (2005, p. 42).
Verifica-se que o contribuinte não compreende que os ilícitos tributários estão ligados indiretamente ao déficit de arrecadação e à falência do Estado, sendo que os números referentes a isso são assustadores, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) o Brasil deixa de arrecada mais de R$ 417 bilhões por ano com impostos em razão de sonegação de empresas. (IBPT, 2020, s.p.).
Nota-se que o contribuinte é diretamente o beneficiário dos recursos que são destinados a promover o bem-estar social de determinada população.
Diante disso, é visível que essa conduta operada pelos infratores onera o Estado para a manutenção de suas receitas e o alcance dos objetivos constitucionais, como os direitos sociais, econômicos e culturais. Nesse ponto, torna-se vital a busca de recursos para compensar esse desfalque pecuniário, que geralmente o Fisco encontra na majoração da carga tributária que irá influir sobre o contribuinte probo para compensar os efeitos dos tributos sonegados.
Na prática, a fuga do dever de contribuir traz consequências maléficas à ordem tributária e, consequentemente, à coletividade, como afirma José Albano Santos:
A fuga ao imposto, quando praticada impunemente de forma corrente e com uma amplitude significativa, constitui uma fonte inesgotável de consequências negativas que atingem a sociedade por inteiro. Com efeito, para além de atender contra a indispensável solidez das Finanças Públicas, o fenômeno perturba o normal funcionamento da econômica, compromete a consecução dos objectivos prosseguidos pelas políticas econômicas e sociais estabelecidas pelas autoridades, subverte o princípio republicano da igualdade dos cidadãos perante a Lei – um dos pilares fundamentais em que se assentam os modernos estados democráticos – a acaba por contribuir seriamente para a degradação do sentido cívico e da moralidade pública (2003, p. 359, apud BUFFON, 2009, p. 105).
Portanto, o dever de contribuir constitui um dever forte, um dever correspondente a todos, constituindo a essência do Estado Democrático para a realização dos direitos fundamentais; a materialização da solidariedade e sociabilidade do ser humano; a integração social de convivência e equilíbrio individual e comunitário.
Nessa conjuntura, torna-se também um dever do Estado combater as condutas que maculem a ordem tributária, para reafirmar e resgatar o dever do cidadão, o dever de contribuir como norma social real, demonstrando aos membros da sociedade que a não contribuição do sujeito passivo constitui infração tão grave aos preceitos constitucionais que o Estado não atua como deve, pois o déficit de receita o impede de atuar nos campos primordiais, como da educação, saúde, segurança e, principalmente, para fornecer oportunidade de emprego.
Para reverter essa crise jurídico-social, defende-se de modo contundente a intervenção na esfera patrimonial e corporal do contribuinte-infrator, por meio de ações judiciais (civis ou criminais) para tutelar os interesses sociais mais relevantes, neste caso, a ordem jurídica tributária que intercorre do dever fundamental de pagar tributos.
Quanto ao combate à evasão fiscal, José Nabais observa:
Por isso, é imperiosa uma luta adequada, eficaz e corajosa contra a evasão fiscal que campeia um pouco por toda a parte, particularmente facilitada com a moderna hipertrofia e complexidade técnica da generalidade da legislação fiscal e da crescente desmaterialização dos pressupostos de facto dos impostos. Uma luta que, como é evidente, não se poder servir de quaisquer instrumentos, mas de instrumentos conformes à constituição, mais especificamente conforme à constituição fiscal em que naturalmente avulta o princípio do estado fiscal e as liberdades que esta princípio suporta (2001, p. 34).
A máquina estatal somente administra e assegura os direitos fundamentais por meio de um sistema tributário constitucional, o verdadeiro titular para cobrar e receber os devidos recursos é o povo, segundo o princípio da soberania popular. Por isso, a acomodação do ente público, ao permitir que determinados grupos ou indivíduos escapem dos pagamentos das exações devidas, cria um precedente jurídico-social de instigação para que os bons contribuintes subvertam-se ao crime fiscal. Com isso, reforça o alude do déficit nos cofres públicos gerando inevitavelmente a recessão dos direitos fundamentais e a impunidade fiscal.
Efetivamente, a ordem jurídica tributária figura-se como objeto de proteção das normas sancionadoras, dado ser o elemento universal do sistema brasileiro de contribuição e redistribuição de renda pública.
Sobre esse aspecto, Hugo de Brito Machado conceitua:
A expressão ordem tributária designa o complexo de normas jurídicas concernentes ao exercício do poder de tributar. Salvo quando seguida de qualificativo específico, designa todo o complexo de normas concernentes ao exercício do poder de tributar em todo o País. Assim, os crimes contra a ordem tributária são crimes praticados em detrimento da eficácia dessas normas (2021, p. 330).
Nessa camada, a questão da ordem tributária pode ser compreendida como o complexo de normas que limita o poder de criar e cobrar tributos, ou seja, que limita o exercício do poder de tributar do Estado.
Com efeito, o objeto jurídico tutelado é a eficácia da ordem tributária, tendo como decorrência o dever de contribuir e do Estado de confeccionar os direitos expostos na Carta Maga. Com relação ao direito de arrecadação, deve-se frisar que, na verdade, pertence à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios em suas respectivas atribuições de competências tributárias para arrecadar tributos.
O objeto jurídico protegido nesses crimes é a ordem tributária, o poder de tributar em sua conformação ampla e genérica e não cada uma das relações jurídicas obrigacionais que ensejam a constituição do crédito tributário relativa a cada um dos tributos isoladamente considerados (MACHADO, 2021, p. 371).
Isso quer dizer que a ordem tributária é uma só. Por isso, não há uma ordem tributária para cada pessoa jurídica de direito público interno; a ordem tributária está unificada a um regime jurídico que estabelece o exercício do poder de tributação. Dessa forma, o sujeito passivo dos crimes tributários, na verdade, não são as pessoas jurídicas com capacidade tributária, mas sim o Estado, em sua figura política representativa da coletividade:
Realmente, nos crimes contra a ordem tributária, como está expressão bem o diz, o bem jurídico é a ordem tributária e não o interesse na arrecadação do tributo. A ordem tributária, como bem jurídico protegido pela norma que criminaliza o ilícito tributário, não se confunde com o interesse da Fazenda Pública. A ordem tributária é o conjunto das normas jurídicas concernentes à tributação. É uma ordem jurídica, portanto, e não um contexto de arbítrio. É um conjunto de normas que constituem limites ao poder de tributar e, assim, não pode ser considerado instrumento do interesse exclusivo da Fazenda Pública como parte nas relações de tributação (2021, p. 23).
À vista disso, em relação às normas de Direito Penal que definem os crimes contra a ordem tributária, não podem ser interpretados como bem jurídico tutelado os interesses da arrecadação da Fazenda Nacional, mas sim a eficácia das normas que integram a ordem jurídica tributária.
De tal modo, o legislador, ao criar a Lei no. 8.137/90, pretendeu garantir a integridade da ordem jurídica tributária, estabelecendo obrigações e limites a todos os cidadãos, sujeitos passivos da relação tributária, conglomerando os interesses do Estado e da sociedade para o correto funcionamento do sistema.
Nessa ordem, o Estado é a vítima ou sujeito passivo dos crimes contra a ordem tributária, por ser titular imediato da proteção de seus bens, e resguarda os interesses dos contribuintes, beneficiários irrestritos da prestação de serviço público, que sofrem indiretamente com os crimes tributários, pois o patrimônio administrado é exclusivamente direcionado aos cidadãos em sociedade, referente a essa definição é oportuno as palavras de Kyoshi Harada:
Define-se o sujeito passivo do crime como sendo a vítima, ou seja, o titular do interesse juridicamente protegido e ofendido pela prática da conduta descrita no tipo. Podemos concluir quem é a vítima do delito a partir da análise do bem juridicamente tutelado pela norma, uma vez que a vítima é o titular do bem juridicamente protegido. Assim, por exemplo, se o crime de homicídio tutela a vida, podemos concluir que a vítima de tal conduta é o homem; se o aboto protege a vida intrauterina, estamos diante do feto como vítima; se o delito de prevaricação protege a administração pública, concluímos que o Estado, como seu titular é o sujeito passivo desse delito. (HARADA; FILHO; POLIDO, 2014, p. 112).
Nesse contexto, ratifica-se que a sociedade é a titular mediata do bem jurídico protegido, porque possui um interesse indireto em relação ao patrimônio público, enquanto o Estado consiste na disponibilidade do seu patrimônio, como vítima imediata.
Por esta razão, os crimes tributários não podem ser considerados como ilícitos de menor importância social, com padrão de valores mínimos de arrecadação para a proteção e a sanção punitiva do Estado, visto que a manifesta pretensão de arrecadar tributos mediante o uso de sanções penais ou extrapenais, como se observa, demonstra a importância dos tributos e da responsabilidade do Fisco em condicionar referida tributação como elemento de controle social.
O combate aos ilícitos fiscais é uma problemática no campo tributário. A título de conhecimento, o Brasil atualmente está deixando de recolher em tributos o espantoso numerário de R$ 188.889.000 (cento e oitenta e oito bilhões, oitocentos e noventa e nove milhos de reais). Com esse valor, o Estado poderia distribuir 403.919.445 (cento e cinco milhões, setecentas e quarenta mil e trezentas e noventa e nove) cestas básicas na cidade de São Paulo, pagar 73.851.900 salários anuais de professores do ensino fundamental (piso MEC), pagar mais de 189;273.144 salários mínimos, distribuir 2.122.415.000 bolsas família, construir 3.406.842 casas populares de 40m2, comprar 1.158.874 ambulâncias equipadas (SONEGÔMETRO, 2023).
Ademais, este reflexo monetário conjetura na vida de todos os brasileiros, tendo em vista a dependência dos serviços públicos prestados pelo Estado. Deste modo, centrar o referido montante como elemento para excluir a tipicidade da conduta do infrator é flagrantemente inviável, podendo acarretar insegurança jurídica e incentivo de evasões fiscais.
Por tudo isso, para o bem do Estado Democrático, da eficiência administrativa e da estruturação do planejamento, o combate à sonegação é essencial para que essa realidade transmude. Com a visão de punir como forma de repressão a práticas de novos crimes tributários não torna-se efetiva, tornando-se indispensável repensar a forma de atuação para que esse tipo de conduta não seja definitivo, tornando-se o principal mecanismo do Estado para combater a fraude fiscal e não a penalidade, mostrando-se assim uma forma de justiça restaurativa.
Buscando encontrar soluções e conscientizações aos infratores que cometem este tipo de crime, almejando formas de justiça restaurativa e consequentemente a conscientização dos contribuintes que realizaram, e ainda realizam sonegações fiscais, é oportuno e pode ser considerado eficiente a realização pelo Poder Judiciário uma espécie de atividade de justiça restaurativa que é dividida em três fases: a) o pré círculo, b) o círculo; e c) o pós círculo. (SANTOS, 2022, P. 140).
Na primeira fase do pré círculo objetiva apresentar uma espécie de “programa” para o contribuinte que realizou a sonegação fiscal, demonstrando a ele as finalidades e vantagens da justiça restaurativa, assim será possível demonstrar a importância do pagamento dos impostos não somente ao próprio infrator, mas a influência que arrecadação tributária é importante para a manutenção e desenvolvimento da sociedade.
Após em uma segunda fase, definida como círculo, descreve-se como uma possível previsão de resolução do conflito, sendo realizado um encontro entre representantes do Estado e o contribuinte para aplicação de métodos restaurativos, almejando a conciliação e acordo entre as partes para sanar os conflitos, sendo possível até mesmo o Estado apresentar redução de juros e descontos para que seja possível a resolução do problema.
Por fim, a última fase, conhecida com pós-círculo, a qual se evidencia com o acompanhamento do cumprimento do acordo pelo contribuinte, bem como as possíveis análise dos dados para possível avaliação de índices de reincidência dos contribuintes infratores.
O método acima demonstrado implica em modo de conscientização ao infrator contribuinte que acaba possuindo poucas informações da importância da arrecadação tributária, o pensamento popular de pagar um imposto sem possuir uma retribuição deve deixar de existir, para isso é imprescindível a utilização de mecanismos de conscientização da sociedade sobre a sua importância na economia do país, através de arrecadações de impostos.
Dessa forma, a importante da justiça restaurativa demonstra métodos de fazer como que o infrator tenho a conscientização sobre a importância do pagamento dos impostos e a sua contribuição como desenvolvimento social, dessa forma afirma Robson Fernado Santos:
A Justiça Restaurativa oferecer essas técnicas, os procedimentos restaurativos surgiram justamente para solucionar problemas não previstos em Lei, e que o Estado não consegue encontrar uma solução eficiente para o problema, isso quando a atuação do Estado não agrava ainda mais as suas consequências. (SANTOS, 2022, p. 205).
Diante disso, o Poder Judiciário fazendo as vezes de um conciliador e concientizador sobre a importância da arrecadação tributária cria formas de resolução de conflitos eficientes que podem trazer fim a demandas judiciais propostas pelo Estado de cobranças fiscais.
Outra medida para desestimular os ilícitos tributários e ressaltar a importância da contribuição é a atuação ativa da Fazenda Pública em compartilhar, equitativamente, a carga tributária para efetivação dos direitos aos cidadãos, principalmente aos pospostos, com inserção de políticas públicas nas áreas da educação, da saúde e do trabalho, para que todos comecem a perceber os benefícios oriundos do recolhimento e confiem no trabalho da Administração Pública.
Nestes moldes, a construção da sociedade justa e solidária encontra-se na solidificação do modelo tributário redistributivo e igualitário, apta na densificação do princípio que representa todo o fundamento e estrutura do Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais.
3 Considerações finais
O dever de pagar tributos encontra-se como um dever fundamental exposto na Constituição cidadã, tendo por base o princípio da solidariedade e da capacidade contributiva, ao consolidar a tributação como mecanismo de responsabilidade político-social, afastando o viés arrecadatório e patrimonialista.
Assim, o Direito Tributário deve ser utilizado como um instrumento de construção de deveres e direitos aos indivíduos, dentro de uma sociedade politicamente organizada que busca a realização de melhorias, no intuito de atender os anseios de sociabilidade.
Além do mais, a norma tributária deve ser interpretada e aplicada nos parâmetros traçados constitucionalmente, assentando que as receitas públicas não são tentáculos do Estado que sufocam o contribuinte para atingir objetivos diversos da ordem coletiva e da dignidade da pessoa humana, mas sim uma personificação de desenvolvimento da estrutura política baseada na própria condição humana, no Estado de Direito e na ação participativa do cidadão na gestão do Estado, cuja participação é fundamental para tal escopo.
Nestes moldes, a análise da contribuição dos tributos como dever inato ao contribuinte e característico do Estado Democrático de Direito, assim como mecanismos na busca de recuperação de tais créditos que foram suprimidos indevidamente. Assim, os meios alternativos a prisão como mecanismo efetivo de arrecadação tributária, visto que tais valores poderão ao final contribuir como instrumento de capacitação e efetivação de políticas públicas para assegurar os direitos fundamentais e garantir a dignidade aos cidadãos-contribuintes.
Referências
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