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Pubbl. Gio, 8 Feb 2024

Possibilidades e desafios na implementação da justiça restaurativa no Brasil à luz da experiência latino-americana

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autori João Felipe Ronqui De Carvalho , Paulo Henrique Silva Carvalho



O estudo tem por objetivo geral demonstrar que o ordenamento jurídico brasileiro possibilita a prática de justiça restaurativa para que os conflitos sociais obtenham solução mais humana, legítima e, portanto, condizente com o Estado Democrático de Direito. Trata-se de pesquisa essencialmente bibliográfica com uma abordagem qualitativa. A partir dessa metodologia, tem-se o seguinte plano de trabalho: o primeiro capítulo irá descrever o modelo de Justiça Restaurativa; o segundo capítulo, por sua vez, irá tratar do Direito Comparado a partir da história, composições sociais e estruturas do sistema de Justiça do México, Chile e Argentina. Por fim, o terceiro capítulo irá enfrentar os desafios e possibilidades de implementação da Justiça Restaurativa no Brasil.


ENG

Possibilities and challenges in implementing restorative justice in Brazil in light of the Latin American experience

The general objective of the study is to demonstrate that the Brazilian legal system makes it possible to practice restorative justice so that social conflicts can be solved in a more humane, legitimate, and therefore consistent way with the Democratic State of Law. It will be done primarily with bibliographic research in a qualitative approach. From this methodology, the following work plan is proposed: the first chapter will describe and explain the restorative justice model; the second chapter will deal with comparative law based on the history, social compositions, and structures of the justice system of Mexico, Chile, and Argentina. Finally, the third chapter will address the challenges and possibilities of implementing restorative justice in Brazil.

Sumàrio: 1. A Justiça Restaurativa; 2. A experiência Latino-Americana; 2.1 A Justiça Restaurativa no México; 2.2 A Justiça Restaurativa no Chile; 2.3 A Justiça Restaurativa na Argentina; 3 Justiça Restaurativa no Brasil; 3.1 Problemas estruturais do Sistema de Justiça Tradicional brasileiro; 3.2 Experiências de iniciativas restaurativas no Brasil;  3.3 Possibilidade de adaptação e desafios na implementação da Justiça Restaurativa no Brasil; 4 Considerações Finais.

1. A Justiça Restaurativa

A Justiça Restaurativa surgiu como um esforço conceitual para transformar a maneira como é pensada a punição por um ato ilegal. Quando ocorre uma conduta desse tipo, não só as vítimas e os ofensores são afetados, mas também terceiros relacionados, como familiares, cidadãos e observadores, além de toda a comunidade na qual o crime ocorreu. Segundo Zehr (1997), a Justiça Restaurativa envolve uma reorientação na forma como pensamos sobre justiça e crime, mudando o foco do processo de justiça para a ofensa cometida e todos os envolvidos nela. "A justiça restaurativa é centrada no dano causado e promove a participação de um conjunto ampliado de partes interessadas" (ZEHR, 1997, p. 68). Dessa forma, a aplicação da Justiça Restaurativa não se baseia apenas na adição de algumas ideias ou na modificação do sistema punitivo de Justiça, mas sim em uma revolução para desbancar a mentalidade punitiva dominante.

Em um modelo de Justiça Restaurativa, que tem como ponto central o dano causado aos envolvidos e à comunidade, a reparação do dano deve acontecer tanto de forma concreta, como de forma simbólica. Assim, a preocupação central paira na necessidade das vítimas, muitas vezes negligenciadas pelo sistema legal tradicional. Além disso, a justiça restaurativa dá importância não apenas a uma responsabilização punitiva, mas a uma responsabilização efetiva do infrator, que implica em compreender o dano causado, assumir a responsabilidade por ele e começar a corrigir a situação gerada pelo ato ilegal. O sistema legal tradicional muitas vezes perde de vista o dano causado pela ofensa e as necessidades das vítimas, distanciando os infratores das pessoas que prejudicaram, alienando-os da sociedade. Portanto, além de promover a justiça em casos individuais, também mitiga uma problemática frequente do sistema penal da Justiça tradicional: a difícil reinserção do infrator na sociedade.

Em “Restaurative Justice: the Concept” (1997), Howard Zehr e Harry Mika demarcam10 características para a identificação de uma Justiça Restaurativa apropriada. Para o presente artigo, serão transportadas e traduzidas essas características, com o objetivo de melhor compreender o conceito diretamente de alguns de seus idealizadores.

Estamos trabalhando em direção à justiça restaurativa quando nós: I. Focamos nos danos causados pela infração, mais do que às regras que foram quebradas; II. Demonstramos igual preocupação e compromisso com as vítimas e os infratores, envolvendo ambos no processo de justiça; III. Trabalhamos para a restauração das vítimas, capacitando-as e respondendo às suas necessidades conforme elas as veem; IV. Apoiamos os infratores, ao mesmo tempo em que os incentivamos a compreender, aceitar e cumprir suas obrigações. V. Reconhecemos que, embora as obrigações possam ser difíceis para os infratores, elas não devem ser intencionadas como danos e devem ser alcançáveis; VI. Oferecemos oportunidades para diálogo, direto ou indireto, entre vítimas e infratores, conforme apropriado; VII. Envolvemos e capacitamos a comunidade afetada por meio do processo de justiça e aumentamos sua capacidade de reconhecer e responder às bases comunitárias do crime; VIII. Incentivamos a colaboração e reintegração, em vez de coerção e isolamento; IX. Prestamos atenção às consequências não intencionais de nossas ações e programas e X. Mostramos respeito a todas as partes envolvidas, incluindo vítimas, infratores e colegas de justiça. (MIKA e ZEHR, 1997, p.69)

Além das orientações mencionadas anteriormente, a criação de um sistema de Justiça Restaurativa apropriado também exige que o ofensor reconheça sua culpa pelo erro cometido, admita o dano causado, se comprometa a oferecer uma restituição adequada (que pode incluir serviços comunitários para reparar o dano à comunidade), peça desculpas diretamente às vítimas e tenha a oportunidade de entender as razões que o levaram a cometer a infração. Em alguns casos, a Justiça Restaurativa também pode envolver o perdão do ofensor, embora o evento não seja esquecido. Além disso, a reintegração do ofensor na comunidade é um objetivo fundamental deste tipo de justiça, e isso requer orientação para que o ofensor possa corrigir seus erros e, assim, estabelecer novos relacionamentos e se reintegrar à comunidade.

Pela leitura do trecho de Howard Zehr e Harry Mika e as demais condutas citadas acima, é possível realizar duas reflexões principais. A primeira, mais aparente, em especial nas características II, VI e X (MIKA e ZEHR, 1997), é que as diretrizes da Justiça Restaurativa têm em comum uma intenção subjacente de tratar de maneira igual e ouvir os envolvidos nos eventos de infração da lei, além de promover diálogos entre as partes. Isso se mostra como uma visão mais humanizada de abordar o processo de criação da Justiça, assim como discutido anteriormente. A segunda reflexão possível, talvez um pouco mais latente, é que pensar a Justiça Restaurativa é pensar em um esforço de mudança e reinvenção, não em uma fórmula que poderia ser aplicada para todas os sistemas de Justiça.

Assim, mesmo que tenha seu próprio modus operandi, a Justiça Restaurativa trata-se mais de um conjunto de iniciativas do que um de normas. Isso faz com que a intenção de substituir a Justiça Punitiva possa existir em qualquer sociedade, mas que seus modelos terão de se adaptar à cultura do local.  Não obstante, o presente texto tem intenção de explorar as oportunidades, esforços, dificuldades e adaptações da Justiça Restaurativa trabalhada nesse capítulo no contexto latino-americano e, mais especificamente, brasileiro.

2. A experiência Latino-Americana

O objetivo deste artigo é explorar e discutir as possibilidades, limitações e desafios da implementação da Justiça Restaurativa no Brasil, tendo como base a experiência de outros países da América Latina. Assim como o Brasil, esses países possuem um sistema de justiça punitivo tradicional, que apresenta ineficiências e vícios já discutidos. No entanto, é importante examinar como esses países, que compartilham semelhanças com o Brasil em suas histórias, índices sociais e problemas no sistema de justiça, usaram fundamentos e iniciativas da Justiça Restaurativa para realizar a sua própria experiência. Isso permitirá que a discussão vá além das narrativas europeias e norte-americanas sobre o tema, trazendo-a para uma realidade similar à brasileira.

Para tanto, o presente capítulo explorará três países da América Latina: México, Chile e Argentina.  O México foi escolhido por sua semelhança em população[1] e riqueza com o Brasil, bem como pelo esforço de questionar se existe influência dos Estados Unidos em seu pensamento de Justiça Restaurativa, assim como há em áreas governamentais e do Direito e em seu pensamento acadêmico. Tanto a Argentina quanto o Chile, assim como o Brasil, passaram por um período de ditadura militar caracterizado por supressão de direitos fundamentais, violência e tortura do Estado contra a população, o que torna relevante analisar a relação entre a constituição do Direito nesses países pós-ditadura e um modelo de Justiça Restaurativa, questionando se existe um ressentimento em relação à punição do período ditatorial em seu Direito e aproximando essas experiências do Brasil para uma análise completa.

2.1 A Justiça Restaurativa no México

A reforma constitucional mexicana de 2008, que se concentrou no sistema de segurança e justiça do país, teve como objetivo democratizar as instituições do Estado, cumprindo compromissos internacionais e atendendo às demandas da sociedade mexicana. A reforma se concentra em dois princípios: segurança e justiça, mas também leva em consideração o bem-estar comum, a solidariedade e a segurança, para garantir que as instituições jurídico-políticas sejam justas e racionais. A reforma introduziu a justiça restaurativa, afastando-se da justiça retributiva, e exige que as partes envolvidas em um conflito sejam ouvidas, em especial as vítimas de delitos. A reforma começou a ser elaborada em 2006 e, em 2008, foi estabelecido um prazo de oito anos para sua implementação em todo o país.

A atividade legislativa resultante da reforma exige que os congressos estaduais reformulem suas próprias normas para garantir que a legislação seja unificada em todo o país. A reforma representa um novo paradigma para a segurança e a justiça no México, já que promove os direitos, princípios e objetivos que antes não eram cumpridos, agora elevados a um nível constitucional, devem ser garantidos para as partes envolvidas em um conflito (HUERTA, 2016). Além disso, a reforma busca soluções alternativas ao direito penal, recorrendo ao mesmo apenas em casos graves e quando não há acordo entre as partes ou quando há um interesse alarmante para a sociedade.

Podemos observar os propósitos da reforma que convergem com as iniciativas de Justiça Restaurativa em trechos do documento oficial do governo mexicano chamado “Reforma Constitucional de Seguridad y Justicia”:

O objetivo do processo penal é definido com toda clareza como "o esclarecimento dos fatos, proteger o inocente, garantir que o culpado não fique impune e que os danos causados pelo crime sejam reparados". Isso significa que o Ministério Público poderá recuperar plenamente seu caráter de boa-fé, pois o procedimento não o obrigará mais a tentar provar que o acusado é necessariamente o culpado. Sua orientação agora será a busca da verdade, independentemente de quem se beneficie. Dessa forma, os julgamentos ganharão em imparcialidade. (...) Com a reforma, os direitos ou garantias do acusado ou indiciado são especificados e ampliados, bem como os das vítimas e ofendidos. (...) Em todas as audiências, as partes terão igualdade de condições para conhecer de viva voz as provas e argumentos da parte contrária e apresentar os próprios, também oralmente. Esse é o princípio da "contradição", fundamental para que os julgamentos sejam equitativos. (...) O julgamento pode terminar antecipadamente quando o acusado reconhecer a culpa, estar disposto a reparar o dano conforme indicado pelo juiz e a vítima concordar. Isso é chamado de "medidas alternativas de solução de controvérsias". Essa é uma tendência mundial, conhecida como "justiça restaurativa" (MEXICO, 2008, p.4, tradução nossa).

A justiça restaurativa é um aspecto relevante da reforma, respondendo a diferentes movimentos preocupados com a humanização do sistema penal e a mitigação do sofrimento que o crime e suas consequências geram (HUERTA, 2016). É possível observar essas iniciativas na proposta de reforma citada nos trechos acima, em especial na última parte. A justiça restaurativa possibilita a transformação de conflitos em acordos voluntários que visam restabelecer a paz entre as partes. Isso exige uma mudança cultural que pode ser difícil de implementar no México, onde a justiça restaurativa, assim como em outros países, como o Brasil, é vista com ceticismo. A introdução da justiça restaurativa no México representa uma mudança significativa na cultura jurídica do país, já que exige que a empatia seja um elo determinante entre as partes de um conflito, que buscam, após cumprir certas condições, retornar as coisas ao estado anterior. No entanto, ainda não há um conceito unânime do que seja essa nova forma de justiça.

2.2 A Justiça Restaurativa no Chile

Em 1973, Augusto Pinochet liderou um golpe militar que derrubou o líder socialista eleito do Chile, Salvador Allende. Isso levou a uma ditadura de mais de 15 anos, em que milhares de cidadãos foram mortos e torturados. Pinochet buscou a legitimidade por meio das eleições, mas para sua surpresa foi derrotado em 1988. Neste momento, Patricio Aylwin foi eleito presidente e um processo de procura da verdade sobre a época ditatorial começou. No entanto, a comissão chilena não tratou de todos os casos de tortura e desaparecimento e foi criticada por sua jurisdição limitada. Leis de anistia concederam perdão a muitos participantes desses atos, e Pinochet se tornou um "senador vitalício", mesmo tendo renunciado ao cargo de liderança do país. Em 1998, Pinochet foi indiciado na Espanha por violações dos direitos humanos, mas morreu sem sequer ser julgado no Chile.

O pequeno resumo da ditadura chilena foi trazido para o presente texto com o objetivo de assinalar principalmente a impunidade que o líder do golpe militar gozou mesmo sendo responsável por inúmeras violações de direitos humanos. Ao contrário do Brasil, cuja Constituição - base do sistema de justiça - foi reescrita após o período ditatorial, o Chile começou a redigir uma nova carta magna apenas em outubro de 2020, em resposta ao movimento popular ocorrido um ano antes, conhecido como Estallido Social.

O Chile está assumindo o desafio de modernizar suas regras para lidar com conflitos através de novas metodologias, ferramentas e iniciativas. A criação de uma nova Constituição para o país representa uma grande oportunidade de tal mudança. A Justiça Restaurativa é uma abordagem que tem ganhado destaque no país como alternativa para aumentar a transparência na administração da justiça, aliviar a sobrecarga do sistema penal e humanizar o processo de construção da Justiça. (BARACHO, 2019) No entanto, a implementação da Justiça Restaurativa é um processo lento e gradual, que enfrenta desafios comuns entre diversos países. Para alcançar resultados restaurativos é necessário respeitar padrões de boas práticas, discutidos no capítulo anterior.        

É possível observar iniciativas de Justiça Restaurativa no Chile em sua recente mudança na Justiça Penal Juvenil, regulada pela lei Nº 20.084[2], a “Ley de Responsabilidad Penal de los Adolescentes por infracciones a la ley penal” de dezembro de 2005, que modificou os princípios que regiam os jovens infratores da lei, mudando significativamente o sistema de justiça juvenil. A lei cria um sistema de garantias e direitos e um modelo especializado de justiça com foco na reinserção dos adolescentes na sociedade. Esse processo envolve o enfoque no diálogo e nas necessidades da vítima e na assistência especializada com atividades de capacitação e sensibilização dos profissionais. Sobre o assunto, a EUROsociAL, programa de fortalecimento e promoção de instituições e inciativas sociais na America Latina, patrocinada pelo parlamento da União Europeia, afirma em documento de 2022:

“No itinerário da reforma do sistema de justiça penal juvenil, o governo do Chile decidiu incorporar um novo componente de justiça restaurativa, voltado para a reintegração de adolescentes infratores. (...) Essa iniciativa liderada pelo Ministério da Justiça e Direitos Humanos em colaboração com o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Poder Judiciário foi materializada na assinatura do Convênio de Colaboração para Mediação Penal Juvenil em 2016, entre as autoridades máximas do Ministério da Justiça e Direitos Humanos, Ministério Público e Defensoria Pública. O EUROsociAL acompanhou o Ministério da Justiça e Direitos Humanos nesse processo com assistências especializadas, visitas de intercâmbio e atividades de capacitação e sensibilização (…) A elaboração da política pública sobre justiça juvenil restaurativa no Chile e a definição de diversas ferramentas (guias) para a aplicação das práticas restaurativas foram também relacionadas com os trabalhos desenvolvidos no âmbito da Associação Ibero-americana de Ministérios Públicos (AIAMP), para a elaboração de um protocolo regional para a derivação de casos para práticas de justiça juvenil restaurativa.” (EUROSOCIAL, 2022, p.1, tradução nossa.)

Além disso, são grandes os esforços acadêmicos para a maior introdução do sistema de justiça restaurativa no Chile, estudiosos que instigam o debate dessa corrente humanitária, especialmente da Pontificia Universidad Católica de Chile e da Universidad Central de Chile (UCEN)

2.3 A Justiça Restaurativa na Argentina

Após o golpe militar de 1976 na Argentina, uma ditadura que viria a durar 7 anos foi instaurada, resultando em diversas violações dos direitos humanos. Após sua queda, foi criada a Comissão da Verdade e Reconciliação, que investigou e relatou sobre os crimes cometidos durante a ditadura. A Argentina começou a compensar algumas vítimas e processar os infratores, e a nova Constituição incorporou tratados internacionais de direitos humanos. Enquanto isso, o Chile – como já mencionado anteriormente - teve uma abordagem diferente, com leis de anistia mais “brandas” e menos processos de responsabilização. As diferenças culturais e jurídicas contribuíram para as diferentes abordagens de pós-conflito na Argentina e no Chile. Isso não significa, no entanto, que o sistema de Justiça argentino terá mais efetividade do que seu par chileno. A suposição de um processo de Justiça humanizado – presentemente pensado como Justiça Restaurativa – deve ser contemplado em sociedades com valores políticos diversos. Como já foi observado, as iniciativas variam conforme a cultura e a herança política e social da localidade em que é debatido.

Assim como no Chile, esforços para a introdução de uma Justiça Restaurativa são observáveis na Justiça Penal Juvenil. Desde a década de 1990, especialistas e ativistas pelos direitos das crianças na Argentina promoveram mudanças e exigiram reformas normativas, além de colaborar na redefinição das instituições que caracterizavam o tratamento infantil, para adequá-las a um enfoque de direitos humanos. Dentre as mudanças, destaca-se a separação entre a "criança abandonada" e a "criança delinquente", que eram abordadas sem distinção. Diferentes ativistas trabalharam para estabelecer um "tribunal de responsabilidade penal juvenil", abandonando o "tribunal de menores". Em muitas jurisdições da Argentina, foram sancionadas leis processuais adequadas a esse objetivo, transformando a estrutura judicial de forma a distinguir claramente a intervenção penal da intervenção assistencial ou de proteção. (VILLATA e GRAZIANO, 2020) Mais atualmente, diferentes órgãos, agências e ativistas começaram a propor maneiras inovadoras de resolução de conflitos que se afastam da lógica penal e promovem um norte menos punitivista em seu tratamento, com abordagens de resolução de conflitos inspiradas nas iniciativas da justiça restaurativa.

            Em outubro de 1995, a lei federal argentina nº 24.573 inicia um processo de aplicação de ideias de Justiça Restaurativa, sobre o nome de “Mediação e Conciliação”. Em seu primeiro artigo, o seguinte é disposto:

“ARTIGO 1º - Institui-se obrigatoriamente a mediação prévia a qualquer processo judicial, a qual será regida pelas disposições da presente lei. Este procedimento promoverá a comunicação direta entre as partes para a solução extrajudicial da controvérsia. As partes estarão isentas do cumprimento deste trâmite se comprovarem que antes do início da causa houve mediação com mediadores registrados pelo Ministério da Justiça.” (ARGENTINA, 1995, p.1, tradução nossa)

Outra experiência argentina relevante para o presente estudo é o caso da lei nº 13.433 de 2006, sobre resoluções alternativas de conflitos penais, na Jurisdição da província de Buenos Aires, que adota claras ideias de Justiça Restaurativa. Abaixo, alguns trechos da lei que comprovam essa influência serão expostos.

“Artigo 2 (...) O Ministério Público usará, dentro dos mecanismos de resolução de conflitos, a mediação e a conciliação com o objetivo de pacificar o conflito, buscar a reconciliação entre as partes, possibilitar a reparação voluntária do dano causado. (...) Artigo 3: O procedimento dos mecanismos de resolução alternativa de conflitos penais será regido pelos princípios de voluntariedade, confidencialidade, celeridade, informalidade, gratuidade e neutralidade ou imparcialidade dos mediadores. O consentimento expresso da vítima será sempre necessário. (...) Artigo 5: (...) cada escritório contará com uma equipe técnica composta, no mínimo, por um advogado, um psicólogo e um assistente social, todos especializados em métodos alternativos de resolução de conflitos. (...) Artigo 17 (...) em caso de se chegar a um acordo em que ambas as partes fiquem satisfeitas com seus interesses, será feita uma ata, na qual constarão as disposições do acordo, o número da Investigação Penal Preparatória que originou o acordo, as assinaturas das partes, dos advogados patrocinadores e do funcionário intervencionista. (BUENOS AIRES, 2006).

Esses exemplos ilustram várias das 10 características da Justiça Restaurativas propostas por Mika e Zehr e discutidas no primeiro capítulo da análise, demonstrando um grande envolvimento da Justiça argentina com as abordagens e iniciativas da Justiça Restaurativa.

Faz-se, porém, necessário mencionar o estudo do professor doutorando Cláudio D. de Souza, que através de pesquisa bibliográfica problematiza a não aplicação da mediação penal em crimes graves na província de Buenos Aires, prevista na lei nº13.433 mencionada acima e propõe que aspectos da Justiça Restaurativa podem ser aplicados em crimes de qualquer espécie e gravidade.  Segundo a Câmara de Deputados argentina, essa lei coloca a vítima em uma situação de protagonismo e visa descongestionar o sistema de justiça, possibilitando sua dedicação em casos que requerem atenção prioritária. O Estado, portanto, reconhece o fracasso do sistema de justiça criminal tradicional ao implementar os meios alternativos de resolução de conflitos, mas ainda sustenta a ideia de que o sistema tradicional é o mais adequado para lidar com conflitos de maior gravidade.

Dessa forma, o dispositivo legal que informa quais delitos são passíveis de mediação limita o alcance da justiça restaurativa e a decisão das partes sobre participarem ou não da mediação penal. (SOUZA, 2017) O autor argumenta, por uma perspectiva Foucaultiana, que o Estado limita essa aplicação a fim manter o poder em si, e busca justificar o sistema de justiça criminal tradicional como o principal método para resolver conflitos no âmbito penal, o que resulta em deixar a vítima à margem do conflito e enfatizar a ideia de que a punição é a resposta mais adequada para o crime (HULSMAN, 2012 apud SOUZA, 2017, p.65). Além disso, Souza sustenta sua argumentação com estatísticas de aumento de incidências nos crimes que não são aplicadas as iniciativas restaurativas entre os anos de 2014 e 2015, provando a ineficácia da manutenção do sistema punitivo tradicional para crimes de maior gravidade.

3 Justiça Restaurativa no Brasil

Após discutir o modelo de Justiça Restaurativa e suas aplicações em países latino-americanos como o México, Chile e Argentina, chegamos à terceira parte deste estudo, onde abordaremos as possibilidades e desafios da implementação da Justiça Restaurativa no Brasil. O sistema punitivo tradicional brasileiro apresenta graves problemas estruturais, tais como superlotação dos presídios, violação dos direitos humanos, reincidência, entre outros. Dessa forma, faz-se necessário investigar a viabilidade de se implementar um modelo de justiça mais humano e efetivo no país.

Nesse sentido, este estudo tem como objetivo geral demonstrar que a implementação da Justiça Restaurativa é possível no ordenamento jurídico brasileiro e pode oferecer soluções mais legítimas e condizentes com os princípios do Estado Democrático de Direito. Para alcançar esse objetivo, serão abordados os desafios e possibilidades da implementação da Justiça Restaurativa no Brasil, a fim de testar a hipótese de que esse modelo penal pode ser adaptado à realidade brasileira.

3.1 Problemas estruturais do Sistema de Justiça Tradicional brasileiro

O atual sistema punitivo brasileiro não é eficiente na resolução de conflitos penais. O Estado de Direito está em crise devido à sua irracionalidade operativa e à sua incapacidade de lidar com o impacto dos delitos sobre as partes envolvidas e a comunidade. Além disso, o sistema carcerário, ao aplicar penas desumanas e desproporcionais, não consegue ressocializar os transgressores. Vítimas e infratores são isolados e desamparados, e a justiça tradicional não consegue dar uma resposta efetiva à comunidade em relação à violência.  Para melhor demonstrar uma das falhas do sistema tradicional de Justiça, segue uma adaptação da tabela de reincidência criminal divulgada pela parceria entre o Departamento Penitenciário Nacional e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em 2022. O Estudo foi publicado na seção da Secretaria Nacional de Políticas Penais do site do Governo Federal.

Definição de Reincidência[3]

Amostra

Período Avaliado

% que reincide em até 1 ano

% que reincide em até 2 anos

% que reincide em até 3 anos

% que reincide em até 5 anos

% que reincide no período avaliado

1.

912.054 internos

2010-2021

21,2%

26,8%

30%

33,5%

37,6%

2.

912.054 internos

2010-2021

23,1%

29,6%

33,5%

37,6%

42,5%

3.

975.515 internos

2010-2021

20,7%

26,1%

29,1%

32,5%

36,4%

4.

975.515 internos

2010-2021

20,7%

26,1%

29,1%

32,5%

36,4%

5.

979.715 internos

2010-2021

23,3%

29,6%

33,2%

37,3%

41,9%

Tabela 1 - Reincidência Criminal no Brasil. Dados: Depen e UFPE

Ademais, a palavra da vítima não é valorizada na Justiça Convencional, o que traz insegurança ao magistrado no momento do julgamento. A lógica desse sistema é punir o infrator por meio de uma sentença condenatória, mas isso não pacifica a sociedade nem reaproxima as partes envolvidas. O sistema de justiça retributiva se concentra na penalização, mas não é capaz de proteger a sociedade e combater a violência. Além disso, a crise do sistema penal brasileiro viola os direitos humanos e promove o não acesso à justiça.

Essa crise não é isolada e indica a deficiência do projeto da modernidade, baseado na razão, ordem, progresso e aplicação da lei como meio de controle dos relacionamentos humanos. Os elementos críticos dessa crise são determinantes dos direitos humanos e desrespeitam valores como a dignidade humana e a democracia, consagrados como princípios constitucionais fundamentais. Apesar da resistência dos estudiosos, é necessário construir um novo modelo de sistema punitivo que leve em conta esses valores e que seja capaz de ressocializar os infratores e proteger a sociedade de forma eficiente. (COSTA, 2012)

Por isso, outra abordagem deve ser explorada. No subcapítulo que segue, exploraremos mais sobre experiências de iniciativas da Justiça Restaurativa no Brasil.

3.2 Experiências de iniciativas restaurativas no Brasil

Antes de iniciar nossa análise sobre o tema do presente subcapítulo, é importante destacar que não existem na legislação brasileira dispositivos que abranjam práticas totalmente restaurativas. Entretanto, existem determinados dispositivos legais que podem ser utilizados, ainda que de forma parcial, para implementá-las. Como já discutido anteriormente, para que um programa de Justiça Restaurativa seja efetivo, é necessário que certas práticas e programas sejam implementados, mas a não existe a necessidade de tratar as características como regras para uma aplicação de sucesso, tampouco serão elas iguais em comunidades diferentes.

A primeira experiência brasileira que se aproxima à Justiça Restaurativa é, de forma similar ao caso de outros países, como Chile e Argentina, no tratamento de adolescentes infratores. No Brasil, o assunto é tratado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de julho de 1990). O Estatuto considera o menor de 18 anos capaz de cometer ato infracional, crime ou contravenção penal, mas o considera inimputável por este. Como medidas corretivas díspares de um modelo punitivo, declara em seu artigo nº 101 que a autoridade competente poderá determinar as seguintes medidas:

“I - Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - Orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - Matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - Inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente[4]  V - Requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - Inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - acolhimento institucional;[5]  VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;[6]  IX - Colocação em família substituta.[7]” (BRASIL, 1990)

Para os adolescentes, definidos na legislação como pessoas que tem 12 a 18 anos, o artigo 112 determina:

“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a V” (BRASIL, 1990)

Em 2018 o estado do Espírito Santo, por meio do Ato Normativo Conjunto nº 28/2018, instala a Central da Justiça Restaurativa nos Juízos da Infância e da Juventude. O programa de Justiça Restaurativa está sendo expandido no Espírito Santo após o sucesso de um projeto-piloto desenvolvido pela 1ª Vara da Infância e da Juventude Vila Velha desde 2016. Agora, o projeto tornou-se um programa do Poder Judiciário estadual e poderá fazer convênios com prefeituras e instituições para implantar a prática em todo o estado. A Central de Justiça Restaurativa será responsável por realizar círculos restaurativos e manter estatísticas de ações e listagens de facilitadores. Os facilitadores e instrutores serão capacitados pela Escola da Magistratura do Espírito Santo, de acordo com a Resolução nº 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça.

De acordo com Damásio de Jesus, (2006) também é possível observar iniciativas restaurativas no Brasil na Lei dos Juizados Especiais Criminais, Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Estes Juizados estabelecidos pela lei são responsáveis por lidar com infrações penais consideradas de menor potencial ofensivo, como contravenções penais e crimes cuja pena máxima não ultrapasse dois anos de prisão ou multa. O princípio fundamental dessa lei é buscar a aplicação de medidas alternativas, mediante consenso entre as partes envolvidas, vítima e autor do fato (JESUS, 2006). Os envolvidos vão buscar um acordo civil para a restauração dos prejuízos financeiros e, em seguida, um acordo penal, caso a primeira tentativa seja frustrada ou quando se tratar de crime de ação pública incondicionada. O representante do Ministério Público pode propor a aplicação imediata de uma pena alternativa, restritiva de direitos ou multa. A aceitação da proposta depende do infrator. Seguem abaixo trechos da lei em questão, para melhor exposição das iniciativas restaurativas.

“Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade. Art. 73. A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação. (...) Art. 75. Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo. Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.” (BRASIL, 1995)

No entanto, segundo Damásio de Jesus, (2006) o modo como o instituto vem sendo aplicado ainda não atinge o objetivo do legislador. Muitas audiências são realizadas sem a presença de um Juiz de Direito e as propostas de transação penal costumam ser padronizadas, com o pagamento de cestas básicas a instituições carentes ou assistenciais. É necessário treinamento de profissionais especializados e conscientização das partes envolvidas para que se possa utilizar os Juizados Criminais Especiais como uma possibilidade de aplicação eficiente da Justiça Restaurativa no Brasil.

Por fim, a última experiência que discutiremos no presente subcapítulo é relacionada à Resolução nº 225/2016, do Conselho Nacional de Justiça, que instaura a Política Nacional de Justiça Restaurativa. A seguir, o primeiro artigo da resolução, que estabelece iniciativas e características restaurativas ao Poder Judiciário:

Art. 1º. A Justiça Restaurativa constitui-se como um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado na seguinte forma: I – é necessária a participação do ofensor, e, quando houver, da vítima, bem como, das suas famílias e dos demais envolvidos no fato danoso, com a presença dos representantes da comunidade direta ou indiretamente atingida pelo fato e de um ou mais facilitadores restaurativos; II – as práticas restaurativas serão coordenadas por facilitadores restaurativos capacitados em técnicas autocompositivas e consensuais de solução de conflitos próprias da Justiça Restaurativa, podendo ser servidor do tribunal, agente público, voluntário ou indicado por entidades parceiras; III – as práticas restaurativas terão como foco a satisfação das necessidades de todos os envolvidos, a responsabilização ativa daqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a ocorrência do fato danoso e o empoderamento da comunidade, destacando a necessidade da reparação do dano e da recomposição do tecido social rompido pelo conflito e as suas implicações para o futuro. (BRASIL, 2016)

O programa promove a Justiça Restaurativa, busca o acesso universal, integração sistêmica de redes familiares e comunitárias, cooperação interinstitucional, abordagem interdisciplinar e intersetorial, formação de multiplicadores e suporte para monitoramento e avaliação. O programa será implementado com a participação de uma rede composta por órgãos do Poder Judiciário, entidades públicas e privadas, incluindo universidades e instituições de ensino. O CNJ também buscará cooperação de órgãos públicos e instituições de ensino para criar disciplinas e módulos voltados à Justiça Restaurativa, e estabelecerá diálogo com outras instituições relacionadas, incentivando a participação e valorizando a atuação na prevenção de conflitos.

3.3 Possibilidade de adaptação e desafios na implementação da Justiça Restaurativa no Brasil

É possível observar que as ideias da Justiça Restaurativa ganharam espaço na América Latina nos últimos anos. Conseguimos relatar experiências de Justiça Restaurativa de todos os países presentemente discutidos. Após o exposto e analisado, porém, faz-se necessário inferir que os esforços para a realização das iniciativas restaurativas se encontram mais na área acadêmica e que a população geral não é tão envolvida nesse pensamento. Consequentemente, o esforço para criar iniciativas de Justiça Restaurativa na América Latina advém mais do Poder Judiciário que do Poder Legislativo.

Em países que utilizam o sistema Common Law, há uma tendência e facilidade maior em encaminhar casos para programas alternativos de resolução de conflitos, devido à grande liberdade concedida aos Juízes e Promotores, já que as decisões judiciárias – jurisprudência – tem maior relevância, em detrimento da relevância das leis. Nesse sentido, os países que iniciam a pensar em um modelo restaurativo de justiça têm, em seu sistema jurídico, uma facilidade maior para aplicá-lo. Não obstante, o Brasil e outros países da América Latina que possuem um sistema de justiça mais ligado às leis, espelhado no Direito Romano, tem a capacidade de adaptar-se, mesmo com mais entraves, e aderir à um sistema de Justiça Restaurativa.

No Brasil, a possibilidade de recorrer a essa forma de resolução de conflitos era limitada pelo princípio da indisponibilidade da ação penal pública. Contudo, a Constituição de 1988 e a Lei 9.099 de 1995 e a Resolução do CNJ nº 154 de 2016 demonstra incorporação de formas restaurativas em casos de crimes de ação penal privada ou pública condicionada. Dessa maneira, as partes envolvidas têm a opção de utilizar esse procedimento alternativo para lidar com o conflito. A reflexão sobre a justiça restaurativa como política penal pode ser feita levando em consideração o consenso que se estabeleceu na área criminal desde 1988. (PINTO, 2011)

Além disso, um desafio seria evitar o excesso de normatização que ocorre frequentemente no meio jurídico brasileiro, já que o modelo de resolução de conflitos para a Justiça Restaurativa exige maior flexibilização e relativização das normas para um resultado realmente restaurativo. (KELNER; TAPIA; PEREIRA, 2022, p.60) Para evitar o excesso, terá de acontecer uma grande capacitação dos operadores do judiciário brasileiro, juntamente com um treinamento de empatia e humanização para todos os envolvidos.

4 Considerações Finais

A análise presente aborda a necessidade de mudança do Sistema de Justiça brasileiro, reconhecendo que embora seja um desafio, tal mudança é não apenas possível, mas também altamente desejável. Nesse sentido, a Justiça Restaurativa emerge como uma alternativa humanizada, que respeita os envolvidos e atende às necessidades reais da vítima. A disseminação das ideias da Justiça Restaurativa é um fenômeno global que tem ganhado força rapidamente.

De acordo com Zehr e Mika, em 1997, existem algumas características que permitem identificar uma boa prática de Justiça Restaurativa. A partir dessas características, é possível analisar, discutir e questionar experiências de Justiça Restaurativa na América Latina, onde essas iniciativas têm se destacado nos últimos anos. Apesar das dificuldades enfrentadas para adaptar essas iniciativas às comunidades e legislações dos países latino-americanos, muitas iniciativas relevantes têm progredido, e países como o Brasil têm buscado alcançar esse modelo, superando as falhas do Sistema Punitivo Tradicional. Entretanto, como observado ao longo da análise, os esforços para adaptar um modelo Restaurativo à realidade do Brasil e dos demais países da região muitas vezes são liderados pelos acadêmicos do Direito, por juristas e pelo Poder Judiciário. A população muitas vezes fica à margem desse processo de mudança do sistema de Justiça.


Note e riferimenti bibliografici

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[1] População brasileira: 218,689,757 (2023, est.) População mexicana: 129,875,529 (2023, est.) CIA, The World Factbook.

[2] A lei nº 21.522, de dezembro de 2022, é a última modificação da lei presentemente discutida, nº 20.084.

[3] Definições de Reincidência enumeradas: 1- Entrada para cumprimento de pena após saída por decisão judicial, fuga ou progressão de pena. 2- Qualquer entrada após saída por decisão judicial, fuga ou progressão de pena. 3- Qualquer entrada após 14 dias de uma saída 4- Qualquer entrada após 7 dias de uma saída 5- Qualquer entrada e saída exceto outras movimentações de até 1 dia.

[4] Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016

[5] Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009

[6] Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009

[7] Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009