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Pubbl. Mer, 23 Mar 2016

A dignidade do homem, do imputado e do condenado: a experiência europeia e a parêntese italiana

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Salvatore Aromando


Cada legislador não pode ignorar a existência de um núcleo duro de valores, princípios e direitos que marcam aquele limite não ultrapassável, quer se chame direito natural ou de outra forma. Caso o legislador ataque este templo sagrado, nunca poderá realizar um sistema moderno e civil enquanto, ficará sempre na escuridão esmagadora do estado.


Índice: 1. Introdução – 2. Direitos fundamentais, dignidade humana e União Europeia; 3. E-bulletin de Setembro de 2015; 4. A dignidade do imputado: a praga da sobrelotação e a sentença Torregiani; 5. As recaídas internacionais; 6. O sistema das medidas cautelares a reforma de 2015; 7. A Corte dos Direitos do Homem volta a se pronunciar sobre a proibição da tortura e daqueles tratamentos desumanos e degradantes: a inadequação das normas que tutelam as condições de saúde do detido e integram a violação do artigo 3 da CEDU; 8. O TJUE sob prescrição; 9. A dignidade do condenado; 10. Tribunal de Cassação 2014: o caso do “viciado”.

 

 

1. Introdução

1.1. A dignidade do homem como pilar para a construção de um sistema respeitante os direitos fundamentais

É possível afirmar que o direito moderno se baseie na necessidade em defender e desenvolver a personalidade do individuo, garantindo-lhe a possibilidade de viver numa sociedade ordenada e segura [1] . A sociedade deve ser capaz de fornecer a cada individuo os instrumentos e as ocasiões necessárias para desenvolver as próprias atitudes, além de dar respostas a eventos patológicos – por exemplo a realização de um crime – substituindo à brutal vingança privada com uma sanção de carácter legislativo, procedente do resultado de uma investigação conduzida através do recurso a regras e garantias específicas.

Portanto, o que é que deve inquestionavelmente tutelado pelo direito positivo moderno sendo, este, fruto da dramática experiência da Segunda Guerra Mundial?

Para responder à pergunta em questão, deve-se considerar que a experiência do nazi-fascismo demonstrou como um direito estatal superiorem non reconoscens pode gerar a aniquilação dos direitos fundamentais do individuo. O legislador não pode ignorar a existência daquele “núcleo duro” de valores, princípios e direitos que marcam o limite não ultrapassável, quer se chame direito natural ou de outra forma. Caso o legislador ataque este templo sagrado, nunca poderá realizar um sistema moderno e civil enquanto, ficará sempre na escuridão esmagadora do estado.

O que é que deve fundamentar um direito positivo para que se liberte desta condição? Sem dúvida a dignidade humana.

Na verdade, o reconhecimento do primado e da inviolabilidade da dignidade humana representa a única base com que é possível edificar um castelo fortificado que possa proteger os direitos fundamentais. Caso não se adquira o conhecimento existente do valor inestimável e atribuível a cada individuo, resultará extremamente árduo – para não dizer impossível – alcançar a construção de um sistema respeitante dos direito humanos. Reconhecer os direitos humanos é uma operação fácil, quase “banal” dado que, a tutela dos direitos fundamentais passa por escolhas normativas eficazes e respeitosas que necessitam um esforço hercúleo.

Contudo, o que significa “dignidade” de um homem?

Significa essencialmente agir tendo em conta que o homem nunca deverá ser tratado como um meio, pelo contrário, como uma finalidade. O homem nunca poder ser o instrumento do outro. Relativamente a isso, Kant afirma o seguinte: no reino dos fins cada coisa ou tem um preço ou uma dignidade. O que tem um preço pode ser substituído por algo equivalente. Por outro lado, o que é acentuado por cada preço e, portanto, não admite nenhuma equivalência, tem dignidade. [2].

A dignidade, portanto, é um valor sem preço. Reconhecer a dignidade de cada homem, significa que ele também é sem preço, insubstituível, dado que não admite equivalentes.

Elucidativa é um caso judiciário que tem interessado a República Federal da Alemanha após dos ataques do 11 de Setembro de 2001 ao World Trade Center de Nova Iorque. O legislador adoptou uma lei [3] que permitia à aviação o abater de aviões com e sem passageiros para que fossem evitados no território alemão, episódios parecidos à nação estadunidense.

O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (o Luftsicherheitsgesetz) foi declarado inconstitucional na parte em que se autorizava o Ministro da Defesa a ordenar à Força Aérea, em casos de necessidade, o abater de aviões civis usados por fins que vão “contra a vida dos seres humanos” (n.o. 3 do artigo 14 do Luftsicherheitsgesetz). Na sua decisão [4], o Bundesverfassungsgericht fez referência próprio à dignidade humana, afirmando que os passageiros e os membros da tripulação do voo não podem ser chamados a responder sobre as agressões cometidas pelos terroristas. Não existe nenhum cálculo ou balanceamento que possa justificar o sacrifício de vidas por outras inocentes e representadas pelas (eventuais) vitimas do atentado terrorista. Os juízes dos tribunais constitucionais têm indicado ao Governo e ao Parlamento alemão, fronteiras intransponíveis evidenciando, inquestionavelmente, o que é contido no artigo 1 da Lei Fundamental onde é declarado que “a dignidade humana é inviolável”.

Através das escolhas linguísticas adoptadas pela Cartas Fundamentais, é também perceptível que homem é o fulcro do sistema: o artigo 2 da Constituição da República Italiana, por exemplo, diz que “o Estado italiano reconhece os direitos invioláveis do homem...”.

O Estado, portanto, limita-se a reconhecer os direitos estabelecidos e preexistentes, sobre os quais não pode ser incisivo.

A dignidade humana é um direito íntimo, autoevidente e que não pode ser suprimido.

 

 

2. Direitos fundamentais, dignidade humana e União Europeia

A garantia dos direitos fundamentais é hoje um dos pontos principais do sistema jurídico da União Europeia.

Enquanto anteriormente não existia um elenco escrito sobre estes direitos, sempre se fez referência às tutelas e às orientações da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDU) assim como aos direitos fundamentais procedentes das comuns tradições constitucionais dos Estados pertencentes à UE, qualificando-os como princípios gerais do direito comunitário.

Além disso, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem contribuído amplamente e juridicamente ao reconhecimento e ao desenvolvimento dos direitos fundamentais.

Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa em 2009, a situação evoluiu sensivelmente relativamente ao reconhecimento formal dos direitos acima mencionados enquanto, a União Europeia possui um Carta dos Direitos Fundamentais, cujo valor jurídico é vinculativo.

O artigo 2 do Tratado da União Europeia (TUE) expressa explicitamente que “a União Europeia foi fundada nos valores respeitantes a dignidade humana, a liberdade, a democracia, a igualdade, o Estado de Direito e o respeito dos direitos humanos (direitos das minorias incluídos)”.

Ao artigo 6 do tratado acima mencionado afirma-se o seguinte: “a União adere à Convenção Europeia dos Direitos Humanos […] Os direitos fundamentais garantidos por esta convenção e resultantes das comuns tradições constitucionais dos Estados membros, são princípios gerais do direito comunitário”.

A CEDU é uma carta adoptada pelo Conselho da Europa que difere da União Europeia e a que aderem um maior número de estados [5].

Por muito tempo, a relação entre a União Europeia e a CEDU tem sido problemático enquanto, está última (e nem as pronuncias do TEDH), não tem pleno valor jurídico dentro da UE.

Contudo, estas criticidades, têm sido superadas recentemente, através da previsão de uma medida de adesão da UE. Isto, tem determinado uma aceleração sensível do processo que permite o levantamento dos standard relativos à tutela dos direitos fundamentais dentro da União Europeia. Na verdade, a adesão terá como consequência a submissão da UE em matéria de direitos fundamentais ao controlo de uma jurisdição externa a mesma União – o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) – instituição especializada na protecção dos direitos fundamentais, medida já presente nos Estados membros.

A UE, simultaneamente, realizou uma Carta própria (a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) que, a partir de 2009, é juridicamente vinculativa e é conforme ao conteúdo do artigo 6 do TUE.

A peculiaridade deste documento é que os direitos nele apresentado não são uma novidade. As suas disposições representam o denominado 'direito constituído', isto é, a síntese dos direitos já reconhecidos pelos tratados comunitários, dos princípios constitucionais comuns aos Estados membros, da CEDU assim como as Cartas Sociais da União Europeia e do Conselho da Europa.

 

3. Boletim electrónico de Setembro de 2015

Não obstante as instituições europeias tenham percorrido um caminho para implementar um sistema que tutele os direitos fundamentais – em última instância, portanto, a dignidade humana -, um objectivo ainda longe.

Para que se compreenda o trabalho a fazer, cabe observar o Boletim electrónico [6] da Corte Internacional de Justiça (ICJ) [7] . Na verdade, a organização publica periodicamente um relatório recapitulativo das suas actividades, extraordinariamente útil para perceber o efectivo nível de implementação e de tutela dos direitos humanos no mundo. Parecem talvez legitimas as intervenções em África e em Médio Oriente assim como resulta surpreendente a constatação de warnings relativos à área europeia, graças a medidas excepcionais que permitem aos governos europeus, o evitar ameaças terroristas de inspiração islâmica (cabe mencionar que no documento anteriormente mencionado podem ser incluídos tanto países como o Reino Unido, a Suécia, a Turquia quanto a Itália e à França).

Estes datos evidenciam de forma inequívoca o risco, ainda actual, frente a situações de emergência onde, o reservar o primado da pessoa em favor de exigências consideradas “superiores”, leva à desvalorização da essência e do preço da dignidade.

 

4. A dignidade do imputado: a praga da sobrelotação e a sentença Torregiani

Na altura em que se considera a dignidade humana como um valor inalienável, não resultará difícil encontrar modalidades que a protejam com medidas adequadas, em caso de um (eventual) perigo.

Na verdade, quando um individuo se encontra em condições particulares em que não lhe resulte possível decidir sobre a própria vida, a dignidade humana é facilmente degradada. Como se costuma dizer na linguagem jurídica, cada processo tem uma pena certa correspondente a um crime incerto, isto é, o juízo penal representa provavelmente o domínio por excelência onde este valor possa ser fortemente atacado.

Cabe observar que a participação do imputado num procedimento penal, não só põe em perigo a sua dignidade mas, determinará também a gravidade do mesmo, quando ao individuo é destinada uma medida cautelar mais especificamente, relativamente a um período de detenção preventiva. No momento em que o sujeito entra num instituto de detenção, ficará sujeito a um regime rigoroso: as medidas comportamentais regulamentam cada actividade e o tempo a decorrer de dias iguais uns aos outros.

Neste contexto, o perigo maior é que o detido possa ser reduzido a uma besta ou, ainda pior, se reificado quando: o individuo perde a própria identidade e se torna um numero de uma matricula, os imputados [9] e os condenados partilham o mesmo espaço [10], o “detido” fica na prisão e não tem a possibilidade de participar a própria defesa durante o procedimento judiciário (isto é, quando a medida cautelar se torna uma poena ante o sine iudicium). Evidentemente, a dignidade sofre um prejuízo muito grave que, provavelmente, não é quantificável.

Neste espectáculo dantesco de miséria, o ser humano recebe o golpe de misericórdia, causado pelas condições reservadas aos detidos (não há diferença nenhuma entre imputados e condenados).

O problema da sobrelotação em Itália tornou-se uma verdadeira emergência a partir dos anos 2000. Os dados disponíveis mostram que, em 2011, as pessoas detidas nas prisões italianas eram 67.437. A capacidade máxima das prisões era de 45.281 pessoas. Estes números determinaram o triste primado europeu do estado italiano em relação a sobrepopulação prisional (140 %) e a medalha de prata para o que cerne os imputados que ainda aguardam julgamento (44 %). A natureza insustentável desta situação mostra, através de alguns dados de 2011, que no Lácio foram registados números elevados de tentativas de suicídio em prisões. Diferentemente ao 2010 em que foram registados 8 casos, em 2011 foram denunciados 97 casos de tentativas de suicídio e 309 de lesões autoprovocadas pelos mesmos detidos [11].

Em 2013, não obstante a situação tenha melhorado, resultava inaceitável que frente a uma capacidade máxima das prisões de 47.709, os detidos eram 62.536 (de que 11.000 aguardam julgamento) [12].

Em 31 de Dezembro de 2013 (como referem os dados), 13044 detidos tem deixado as prisões, graças a Lei 199/2010, cd. "sfolla carceri" [13]

Numa situação de congestionamento do sistema prisional é deduzível o estado degradante dos detidos (incluídos os que aguardam julgamento e que estão sujeitos a detenção provisória).

Contudo, em 2013, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pronuncia uma sentença histórica, relativamente à situação dos detidos italianos.

A decisão do Tribunal – conhecida como “sentença Torregiani”- foi o resultado de sete instâncias realizadas em 2009 por detidos que lamentavam o facto de eles ocuparem um espaço de 9 m2 com outras duas pessoas dispondo, respectivamente de 3 m2 . Nas próprias instâncias, os detidos lamentavam também a limitação em aceder às cabines de duche (dada a falta de agua quente) e a falta de luz, prejudicando assim a saúde física e psíquica.

Examinadas as instâncias, a II Câmara do Tribunal tem condenado o estado italiano por ter violado o artigo 3 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. O juiz italiano Guido Raimondi afirmou que a decisão foi unânime.

O juiz de Estrasburgo observa que não obstante as medidas privativas da liberdade acarretem ao detido algumas consequências, “a prisão não determina a perda dos direitos estabelecidos pela Convenção. Em alguns casos, pelo contrário, o detido poderá necessitar de uma maior tutela por causa da situação vulnerável em que se encontra e pelo facto de ele se encontrar sob a responsabilidade do estado. Neste contexto, o artigo 3 põe a cargo das autoridades a obrigação positiva que consiste em assegurar a cada individuo detido em condições compatíveis ao respeito da dignidade humana, evitar que as modalidade de execução da medida não ponham o interessado numa situação de angústia assim como atingir a um alto nível de sofrimento relativo à detenção. Tendo em conta das exigências práticas do encarceramento, a saúde e o bem-estar do detido são adequadamente assegurados (Kudła c. Polonia [GC], n. 30210/96, § 94, CEDU 2000-XI; Norbert Sikorski c. Polonia, § 131)”. Portanto, “quando a sobrepopulação prisional alcança um determinado nível, a falta de espaço num instituto de detenção pode constituir o elemento central a considera na avaliação de uma dada situação, em conformidade com o referido pelo artigo 3 da Convenção acima mencionada”.

Uma vez que o Tribunal teve que analisar um caso sobrepopulação grave, tem podido concluir que foi violado o artigo 3 da Convenção. Geralmente, o espaço auspiciado pelo CPT (Comité Europeu do Conselho da Europa para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes) concernente o espaço da prisão, é de 4 m2 . Em casos emblemáticos, o espaço pessoal para os detidos, resulta inferior a 3 m2 (Kantyrev c. Russia, n. 37213/02, §§ 50-51, 21 giugno 2007; Andreï Frolov c. Russia, n. 205/02, §§ 47-49, 29 marzo 2007; Kadikis c. Lettonia, n. 62393/00, § 55, 4 maggio 2006; Sulejmanovic c. Italia, n. 22635/03, § 43, 16 luglio 2009).

Relativamente a casos em que a sobrepopulação prisional não resultava um problema grave, o TEDH, através do artigo 3 da Convenção, tem evidenciado que em analisar as disposições acima mencionadas, tinham que ser consideradas as condições prisionais dos detidos. Alguns dos elementos encontrados são: a possibilidade em usar as instalações sanitárias, dispor de ventilação, o acesso à luz e aos espaços ventilados, a qualidade do aquecimento e o respeito das exigências sanitárias básicas.

Especificas regras para as condições dos detidos procedem pela Recomendação adoptada pelo Comité dos Ministros, referente aos Estados membros e que trata das Regras Penitenciárias europeias do 11 de Janeiro de 2006. Os excertos que se referem ao caso em questão são:

 

18.1. As celas, mais especificamente, os lugares finalizados a acomodar os detidos durante a noite, devem satisfazer as exigências respeitantes a dignidade humana e a vida privada, responder às condições mínimas requeridas desde um ponto de vista sanitário e ter em conta das condições climáticas (superfície, a ocupação de um único espaço, a iluminação, o aquecimento, o arejamento).”

 

18.2. Nos locais em que os detidos devem viver, trabalhar ou reunir-se:

a. as janelas devem ser suficientemente amplas assim que os detidos possam ler e trabalhar utilizando a luz natural em condições normais e permitir o fluxo de ar fresco, sempre que os detidos não usem nas próprias celas ar condicionado;

b. a luz artificial tem que respeitar as normas técnicas em matéria e apresentar um sistema de alarme que permita os detidos de entrar em contacto com os policiais.”

Relativamente a casos em que o detido dispunha dos metros quadrados acima mencionados, o TEDH concluiu que o artigo 3 da Convenção foi violado por causa de: a falta de ventilação e de luz (Moisseiev c. Russia, n. 62936/00, 9 ottobre 2008; Vlassov c. Russia, n. 78146/01, § 84, 12 giugno 2008; o acesso limitado ao local de passeio ao ar aberto (István Gábor Kovács c. Ungheria, n. 15707/10, § 26, 17 gennaio 2012) ; a falta de intimidade nas celas (ver mutatis mutandis, Belevitskiy c. Russia, n. 72967/01, §§ 73-79, 1° marzo 2007; Khudoyorov c. Russia, n. 6847/02, §§ 106-107, CEDU 2005-X e Novoselov c. Russia, n. 66460/01, §§ 32 e 40-43, 2 giugno 2005).

O TEDH, aplicando uma jurisprudência em matéria de tratamento inumano ou degradante do detido (também sustentada pelos standard elaborados pelo CPT do Conselho da Europa), tem concluído que os recorrentes têm sido objecto de uma violação por parte do estado italiano, segundo o artigo da CEDU.

Em particular, a praxe do CPT indica em 4 m2 a medida aceitável de espaço livre para o detido. Á não aplicação deste standard, deve-se adicionar a sobrepopulação prisional, dado que não concedia nenhuma alternativa a esta situação, além da presença significativa de outros inconvenientes quais o acesso ao uso de agua quente e a iluminação.

A falta de agua quente por períodos longos nos dois institutos (admitida pelo Governo), a insuficiência da iluminação e da ventilação nas celas das prisões de Piacenza (o Governo ainda não se expressou sobre isso), causam nos recorrentes sofrimentos ulteriores e relevantes, constituindo um tratamento inumano e degradante.

O TEDH afirma que “nada sugere que tenha existido a intenção de humilhar ou degradar os recorrentes”, e, “que ausência de tal finalidade não pode excluir uma constatação da violação do artigo 3”: o Tribunal sustenta que as condições prisionais em questão, considerado o período de detenção dos recorrentes, tenham determinado uma prova de intensidade superior ao nível canónico de sofrimento durante a estadia numa prisão.

Portanto, não se pode afirmar que tenha existido uma violação do artigo 3 da Convenção“18.1. As celas, mais especificamente, os lugares finalizados a acomodar os detidos durante a noite, devem satisfazer as exigências respeitantes a dignidade humana e a vida privada, responder às condições mínimas requeridas desde um ponto de vista sanitário e ter em conta das condições climáticas (superfície, a ocupação de um único espaço, a iluminação, o aquecimento, o arejamento).”

Por conseguinte, é possível afirmar que não houve violação nenhuma do artigo 3 da Convenção [15].

O que parece significativo é que o Tribunal Europeu tem qualificado esta decisão como “sentença piloto”. O que foi observado na sentença Torregiani terá uma aplicação futura relativamente aos pedidos pendentes e ligados ao TEDH, todavia não comunicados às partes italianas e que têm como objecto questões análogas de sobrepopulação prisional assim como casos apresentantes problemas parecidos resolvíveis em tempos breves.

Este, é o principal elemento distintivo entre a sentença aqui referida e a emitida em 16 de Julho de 2009 no caso Sulejmanovic c. Italia (ric. N° 22635/03).

O curso das sentenças pilotos, baseado no artigo 46 do CEDU parágrafo 1, é actualmente disciplinado pelo artigo 61 da Regulamentação do CtEDU [16]. Faz-se recurso a este procedimento quando existe um problema sistemático procedente de uma praxe pública incompatível com a CEDU e, susceptivelmente, pode interessar um amplo número de pessoas.

De facto, partindo da pressuposição que ao TEDH pendiam centenas de acções parecidas à examinada, sublinhava-se as medidas gerais que o Estado tinha que adoptar para evitar novas violações do artigo 3 da Convenção.

Mais especificamente, na sentença Torregiani, a CtEDU incentiva o estado italiano em reduzir o número de detidos, aplicando medidas punitiva não privativas da liberdade como alternativas àquelas que prevêem a prisão e reduzem o prazo mínimo de recurso para a detenção preventiva (§ 94).

A CtEDU deu à Itália um prazo limite de um ano para que possa adoptar as medidas recomendadas [17]. Tais medidas devem garantir o respeito dos standards e dos princípios que guiam a jurisprudência da CtEDU (incluídos os elaborados e recomendados pelo CPT).

O caso Torregiani, portanto, expressa por um lado uma linha intransigente relativamente ao estado italiano por parte da CtEDU sobre o problema da sobrepopulação prisional; por outro lado, resulta um baluarte da dignidade humana, excluindo os sofrimentos fisiológicos procedentes do status detentionis que podem comprometer a dignidade humana.

A decisão do TEDH em qualificar o caso Torregiani como "sentença piloto", representa a recepção por parte do Juiz de Estrasburgo que o estado italiano, após de 2010, não foram realizadas verdadeiras reformas estruturais do sistema prisional e penal e intervenções de emergência, não idóneas a resolver esta situação de forma eficaz e durável na direcção indicada.

A sentença, portanto, representa uma firme referência ao Legislador assim que evite intervenções somente em condições criticas, através de medidas finalizadas à atenuação da emergência, incapazes de propor projectos políticos a médio e longo prazo resultando, pelo contrário uma verdadeira resolução das criticidades do sistema, através da condicio sine qua non.

 

5. As recaídas em âmbito internacional

Cabe ressaltar que a sentença do Tribunal de Estrasburgo “Torregiani e altri c. Italia”, tenha incidido fortemente sobre a imagem e a credibilidade do estado italiano em âmbito internacional. Em algumas decisões de juízes ingleses [18], por exemplo, nega-se a extradição em Itália para executar a condenação na prisão escolhida, por causa do alto risco de tratamentos desumanos e degradantes, não conformes ao artigo da Convenção acima mencionada.

Esta sentença, através de os próprios efeitos, mostra também a capacidade em prejudicar irremediavelmente longas relações internacionais entre os Estados membros da Convenção.

O caso Torreggiani e a criação de um quadro de sanções, respeitam a dignidade do individuo e é finalizada à sua tutela.

A situação italiana não é a única negativa no contexto europeu. Há sentenças pendentes na Bélgica, na Bulgária e na Hungria. Esta última, como o estado italiano, recebeu uma condenação em matéria de sobrepopulação prisional.

Com a decisão do 10 de Março de 2015, o Tribunal de Estrasburgo condenou a Hungria por ter violado o artigo 3 da CEDU, por ter tratado os detidos de forma inumana e degradante, consequente à sobrepopulação prisional.

O fenómeno da sobrepopulação prisional húngara resulta fortemente grave tanto que alcança uma dimensão patológica. Partindo destes pressupostos e em presença de uma situação parecida sancionada através da sentença Torregiani, o TEDH considera necessário o recurso a uma sentença piloto. São portanto indicadas ao estado, medidas de carácter geral que, uma vez adoptadas, têm o objectivo de pôr fim à violação dos direitos humanos. Neste caso também o Tribunal sugere uma limitação da pena de prisão quer durante a fase de medida cautelar, quer em durante a fase de condenação definitiva, aconselhando a implementação de medidas alternativas não privativas da liberdade.

O TEDH oferece ao estado húngaro um período de seis meses para adequar o próprio sistema jurídico aos standards de tutela dos direitos humanos da CEDU.

Voltando ao contexto italiano, cabe mencionar que o Tribunal aceitou o denominado “Piano d'azione” do 27 de Novembro de 2013, através do que o Governo italiano previa uma intervenção orgânica para a resolução do problema da sobrepopulação prisional e evidenciou o efeito positivo destas intervenções relativamente ao tem recentemente mencionado.

Segundo os dados oficiais do Ministério da Justiça, resultavam registados até a data de 28 Fevereiro de 2015 53.982 detidos, contra os 67.961 de 2010 e os 66.855 de Abril de 2015.

Quanto à medida e em resposta às observações impostas pelo CtEDU, o estado italiano adoptou, a partir de 24 de Abril de 2014, uma estratégia em que são expostas: todas as medidas actuadas e as em fase de realização, os dados relativos à sobrepopulação prisional, a capacidade das prisões, o plano de construção e renovação de instituições penitenciárias e, enfim, iniciativas que possam melhorar a qualidade da vida dos detidos nas prisões. 

No documento há pouco mencionado, o Governo introduziu um sistema que compensasse os que têm sofrido o problema da sobrepopulação. Resulta claro ao legislador que a solução à problemática aqui referida não pode ser individuada somente na extensão de lugares disponíveis ou na reabilitação de institutos já existentes. É necessário, por um lado, desenvolver sansões alternativos, para que se possa conceber de forma orgânica o sistema das medidas cautelares

 

6. Resolver o problema da sobre população prisional não é somente divido à falta de recursos

Segundo os dados actualizados ao 30 de Setembro de 2015, a sobrepopulação prisional melhorou. Frente à capacidade de 49.585 lugares, actualmente resultam detidas 52.294 pessoas. 

Este cálculo, todavia, constitui uma sobrepopulação menos grave relativamente aos anos anteriores. O Ministério da Justiça precisa que “o número dos lugares das prisões se baseia no critério que prevê um espaço de 9 m2 para cada individuo e 9 m2 para os outros detidos, razão pela que em Itália são oferecidos espaços habitáveis diferentes, mais favoráveis com respeito aos 7 + 4 m2 estabelecidos pelo CPT”. 

O número de sujeitos que tem usufruído de medidas alternativas à prisão aumentou significativamente enquanto, em 2008 foram registados 11.000 pedidos, em 2015 há 31.000 pedidos. O sistema, portanto, parece ser sob controlo, através de uma série de intervenções do Parlamento [21], partindo do pressuposto que “é necessário desenvolver penas alternativas dado que na Europa há outras formas de sanção para uma comunidade, eficazes e diferentes da prisão[22]

Com base nestes pressupostos, foram adoptados diferentes caminhos: aumentou o recurso às pulseiras electrónicas [23], foi prevista uma circunstância atenuante para a “venda de drogas”, foi estendida a acessibilidade ao acompanhamento em regime de prova [24] e foi introduzida a “libertação antecipada extraordinária” (liberazione anticipata speciale) [25] que permite ao detido uma diminuição de 75 dias por semestres (frente os 45 dias) além do mérito desta possibilidade. 

Importante é a escolha relativa à detenção domiciliária dado que adquire um carácter permanente e permite o cumprimento de penas que não superam os 18 meses no próprio domicílio. 

 

7. O sistema das medidas cautelares e a reforme de 2015 

Uma intervenção que seja eficaz e transversal, não pode não considerar a situação dos detidos que estão a aguardar julgamento, ou seja, aqueles sujeitos que não tiveram a possibilidade de ver a pronuncia da condenação que demonstrasse a responsabilidade penal e que se encontraram em condições detentivas de facto, equivalente às condenações definitivas. 

O problema do recurso à detenção é muito conhecido enquanto, as suas causas são várias e complexas. 

Contudo, é indispensável falar da relação entre detenção preventiva e duração não razoável do procedimento criminal. Se o juízo penal começasse e concluísse num período razoável, o numero de detidos que aguardam julgamento, diminuiria drasticamente. Pronunciando uma condenação em tempos breves, os que aguardam julgamento serão incluídos na categoria dos detidos-condenados; frente a uma sentença de absolvição seriam libertados. 

Com ambas as hipóteses, obter-se-ia um comprovado beneficio para o sistema e para a dignidade dos que são envolvidos num procedimento penal. 

Porém, o problema, está ligado quer a duração da medida cautelar, quer os pressupostos da mesma enquanto, o punctum dolens refere-se ao quantum e ao an

Não obstante o Código do Processo Penal italiano afirme ao artigo 273 que “ninguém pode ser submetido a medidas cautelares se não houver graves indícios de culpa” e ao artigo 274 indique analiticamente os pressupostos (pericula) a individuar no incidente probatório, uma fuga ou o perigo de uma fuga e de reiteração do crime, a lei aplicou e deve continuar a aplicar os parâmetros aqui mencionados, pelo menos, de forma flexível. 

Essencialmente, a disponibilidade de relações com o estrangeiro (sic et simpliciter), podia demonstrar um real perigo de fuga. 

A lei tem intervindo energicamente com a Lei de 16 de Abril de 2015 n.47, após as varias solicitações e o efeito da sentença Torregiani [26]. Na verdade, o objectivo declarado, é o de evitar o recurso a medidas cautelares. Neste contexto, as alterações que elevam a cinco anos a pena máxima para os crimes que prevêem a aplicação da detenção e a exclusão da mesma em casos de penas inferiores a três anos [28]. A estes requisitos, adicionam-se a “actualidade” do perigo de fuga e a reiteração. 

Em síntese, pode-se dizer que a legislação italiana tem adquirido consciência da aplicação da sanção penal, dado que esta não deve ser um instrumento que inflige sofrimentos – quase fosse uma vingança do Estado em resposta ao crime cometido – e que oferece à vida do individuo uma fase de renascimento. 

A pena (tanto quanto a medida cautelar) não deve alterar a dignidade e a personalidade mas, deve ser um instrumento que estimula o condenado a declarar as próprias escolhas frente da lei e do convívio cívico. Não é isso o que afirma o artigo 27 da Constituição Italiana relativamente às sanções a aplicar para reeducar os indivíduos condenados

 

8. O TEDH pronunciou-se novamente sobre a proibição da tortura e dos tratamentos degradantes e desumanos. A inadequação dos standards de tutela das condições de saúde do detido integram uma violação artigo 3 da CEDU. 

A via adoptada parece ser correcta. Contudo, não se devem baixar os braços dado que, cada agressão à dignidade humana represente um horror inaceitável que deve ser evitado e, por conseguinte, não condenado. 

Que o perigo é sempre presente, é testemunhado pelo facto que, num processo justo como o começado em Itália haverá bruscos reveses. 

Com a sentença de 11 de Fevereiro de 2014 Contrada c. Italia, o Tribunal de Estrasburgo pronunciou-se sobre a compatibilidade existente entre as condições detentivas e o estado de saúde precário do individuo de forma que possam ser encontradas correspondências com o artigo 3 da Convenção, isto é, evidenciar ulteriormente a compatibilidade das condições “oferecidas” por um determinado instituto carcerário. Mais especificamente, cabe individuar um aceitável balanço entre as exigências cautelares (fundamento das medidas de privação da liberdade ante iudicium) e as exigências individuais (relativas ao mundo laboral, à instrução, à família e à saúde). Se os motivos da cautela pudessem subverter a necessidade individual, não se poderia constatar o forte regresso do perigoso e absoluto primado do estado sobre o cidadão. 

Neste caso [29], o recorrente lamentava a rejeição do pedido de adiantamento da execução ou, em alternativa, da conversão da pena, não obstante as condições de saúde extremamente precárias. No caso em questão, o detido sofria de isquemia, diabetes, depressão, hipertrofia da próstata, doenças cardíacas, emagrecimento excessivo, etc., claramente incompatíveis com a persistência do período na prisão. Se bem que em 2007 o juiz de vigilância tivesse disposto a hospitalização do detido no Ospedale Cardarelli de Palermo, o dia seguinte, o mesmo detido pediu para voltar na prisão por causa das condições degradantes do serviço hospitalar, consideradas horríveis pelo advogado do individuo. 

Inúmeras instâncias de adiantamento da execução da pena foram rejeitadas e, só em 2008, o Tribunal de vigilância concedeu a admissão da prisão domiciliária por seis meses na própria casa em Nápoles e a proibição em se apresentar ao hospital de Palermo. 

As queixas relativas ao tratamento sofrido originaram o recurso n. 7509/08, com que o autora da denuncia invocava a violação do artigo supracitado. A falta da concessão do adiantamento da execução da pena, ou seja, a decisão de indeferimento, que permitia uma medida alternativa à prisão frente as condições graves e irreversíveis do detido, integrariam, de facto, um tratamento desumano e degradante. 

Substancialmente, o Tribunal partilhava as conclusões do recorrente, afirmando que durante o período que vai do 24 de Fevereiro de 2007 até o 24 de Julho de 2008, o estado de saúde do detido era incompatível com a prisão. 

A decisão do Tribunal insere-se num percurso jurídico consolidado, não obstante exista nenhuma disposição da Convenção finalizada à tutela do direito à saúde das pessoas libertadas. A interpretação da instituição recém-mencionada, permitiu o reconhecimento da tutela, reconduzindo-a aos direitos garantidos quais o direito à vida, o direito ao respeito da vida privada, familiar e domiciliar e, obviamente, a tutela da dignidade humana. 

Este procedimento refere-se também aos detidos. O reconhecimento do direito à saúde dos detidos é uma tarefa da jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo, com base na interpretação evolutiva do artigo 3 da CEDU. 

As decisões do Tribunal examinam quer os casos de insuficiência ou precariedade das condições higiénicas (ou seja, aquelas situações em que se verificam graves violações da higiene pessoal dos detidos assim que possam originar tratamentos desumanos e degradantes) [30], quer em casos de falta ou inadequação da administração de tratamentos médicos necessários e tempestivos (inerentes à não intervenção das autoridades que devem diagnosticar e curar patologias e que originam o tratamento desumano) [31], quer em casos de incompatibilidade das condições da detenção com o estado de saúde do detido

Se bem que o direito à saúde do detido não seja expressamente declarado por nenhuma das disposições de Convenção e que isto represente um limite de iure condendo, deveria certamente ser alterada a sua recondução dentro da área de tutela do artigo 3 da CEDU, afortunadamente possível através de uma virtuosa obra de interpretação evolutiva por parte da jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo.

 

9. O Tribunal de Justiça da União Europeia sobre prescrição 

As decisões dos Tribunais supranacionais representam, convencionalmente, fases de reforço dos standards finalizadas às tutelas de cada estado. Às vezes, pode acontecer que as exigências ou os interesse obtenham maior atenção, secundarizando as instâncias de tutela e, por conseguinte, pôr em risco o primado da dignidade humana, que deveria sempre ser a base de cada decisão jurídica. 

Neste caso, provavelmente, a decisão adoptada regista-se no que foi expresso pela Grande Câmara do Tribunal de Justiça da União Europeia. 

Em síntese, o caso é originado por um reenvio prejudicial do Tribunal de Cuneo para o tribunal recém-mencionado, com o objectivo de verificar se a normativa italiana relativa a prescrição do procedimento resultasse compatível com as disposições comunitárias, em matéria dos próprios recursos da UE. De facto, a questão partia de pressuposição que a normativa italiana previa termos absolutos de prescrição que pudesse determinar uma lesão potencial dos interesses financeiros da União Europeia, assim que ficcassem impunes crimes tributarios relativos às entradas financeiras da mesma [32]

A prejudicial baseava-se na obrigação do juiz italiano em desaplicar qualquer decisão de direito interno sobre as obrigações impostas os Estados membros da UE

O Tribunal de Luxemburgo expressou-se sobre insustentabilidade da normativa italiana da prescrição (em particular, sobre o prazo máximo para os actos interruptivos) na medida em que este mecanismo determine a impunidade sistemática das fraudes em matéria de IVA deixando, portanto, os interesses financeiros sem uma tutela adequada quer no erário italiano, quer no erário europeu

Frente a tal perigo, o Tribunal de Justiça afirmou o juiz penal italiano é obrigado a desaplicar quanto afirmado pelos artigos 160 e 161 do Código Penal na medida em que, ele, considere a medida em questão - fixando um limite para a prescrição também em presença de actos interruptivos, igual ao prazo prescricional mais um quarto acto – um impedimento para o Estado italiano em cumprir as obrigações de tutela efectiva dos interesses financeiros da UE, impostos através do artigo 325 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). 

Substancialmente, o juiz – enquanto descendente da UE - deve condenar o imputado considerado culpável dos crimes (eventualmente) cometidos, não obstante o recurso decorrido da prescrição, com base nos artigos do Código Penal mencionados anteriormente. 

A sentença merece algumas reflexões. 

A ratio que sustenta esta prescrição parece simples e intuitiva: se a parte publica que onera a prova não consegue ser plenamente absorvida dentro de um determinado prazo e se o Estado que onera o sistema judiciário não é capaz dar um juízo em tempos razoáveis, cessa o ius persecutionis para o individuo que, portanto, deverá ser absolvido. 

A prescrição é uma declinação – a jusante do Código Penal – da presunção de inocência. Se a responsabilidade do imputado não resulta confirmada, deve ser declarado inocente

O instituto da prescrição está também ligado à satisfação de exigências de prevenção geral. Quanto mais a sanção é longe do espaço e do tempo da violação, menos eficaz será o efeito da dissuasão dos associados (ou de orientação dos seus comportamentos). A estas conclusões, já chegou em 1763 Cesare Beccaria, afirmando o seguinte: "quanto mais adequada e mais próxima é a pena infligida ao crime cometido, ela será tanto justa e útil. Digo justa porque isenta o individuo culpado dos inúteis e orgulhosos tormentos da incerteza, que crescem com o vigor da imaginação e do sentimento da própria limitação; é mais justa porque a privação da liberdade, sendo uma pena, não pode ser anterior a sentença, exclusivamente quando se considera necessário. A prisão é, portanto, o simples alojamento de um cidadão, até quando não é considerado culpável do crime cometido. Este alojamento é de caracter penal deve durar pouco e não deve ser duro. Afirmei que a rapidez das penas é mais util porque, quanto é menor tempo que passa entre a pena e o crime, tanto mais durável e forte no ser humano a associação destas duas ideias (delito e pena), insensivelmente considerados como causa e efeito firme e necessário”. [33] 

Do que agora foi dito, resulta claro que a prescrição é um instituto de “ordem publica” e “garantia individual”. 

Com base nestas premissas, a escolha do Tribunal de Justiça monstra perplexidade, centrada numa aproximação bastante perigosa não tanto pela defesa social anteposta a presunção de inocência – que já é grave – mas, aqui, é anteposta a necessidade em assegurar recursos ao individuo relativos à sua tutela. Atribuindo ao juiz uma discricionariedade absoluta (ou sem evidentes índices normativos) em estabelecer quando – prescrito o crime – possa ser originada ou não uma sentença de condenação. Para garantir as necessidades económicas das instituições, o Tribunal justificou a colisão da garantia do processual, de certa forma, o expresso no artigo 101 no 2 da Constituição, onde o juiz é sujeito exclusivamente à lei.

 

10. A dignidade do condenado

A dignidade humana pertence ao homem e, portanto, subir compressões também quando o individuo viola as regras da decisão. Fica inalterado o direito finalizado ao respeito da dignidade humana do homem.

Qual peculiaridade apresenta a tutela da dignidade do homem?

O ponto de partida é, provavelmente, o principio da legalidade das penas nulla poena sine lege.

O legislador pode estabelecer as sanções penais a serem impostas para a violação de uma previsão da lei. Qualquer forma ulterior de pena representa simplesmente um abuso.

Representa um abuso qualquer forma de execução da pena que represente um ulterior tormento infligido ao condenado, que a Assembleia Constituinte propus no artigo 27 no. 4 da Carta. O principio da não inflicção da pena afirma que “as penas não podem consistir em tratamentos contrários ao sentido comum da humanidade e devem ser finalizadas a reeducação do condenado”.

Contudo, o principio constitucional não parece ser actuado.

Numa visão utópica poder-se-ia pretender que a vida na prisão não fosse degradante e miserável e que as modalidades totais da execução da pena sejam uma ulterior fonte de sofrimento.

Na realidade, a CtEDU reconhece que “as medidas privativas da liberdade comportam inconvenientes ao individuo”. [34]

Portanto, a prisão deve ser um lugar de sofrimento duplo, isto é, para a privação da liberdade e os elimináveis “inconvenientes”?

Talvez não.

Na Noruega há um verdadeiro exemplo de vanguardismo penitenciário: trata-se da prisão de Bastoy (na ilha a sul do país), onde são acomodados somente 115 detidos, num espaço sem celas e barras de ferro.

O objectivo perseguido é o de evitar que os ex detidos cometam novamente crimes.

O projecto funciona e mostra dados surpreendentes: a reincidência é do 16% contra a media europeia de 75 %.

Os jornais italianos têm falado de “prisões a 5 estrelas”, pelo facto de admitirem, através de uma lista de espera e figura do director da prisão, os pedidos dos condenados. Passa-se a uma selecção destes ultimos, através de cartas de apresentação em que, eles motivam as próprias razões. Das cartas, deve-se relevar um forte desejo em se melhorar. A gravidade do crime cometido ou da pena comutada não resulta relevante aos fins da selecção (não obstante parte da pena deve ser cumprida). “Eu não posso fazer muito pelos crimes que estes detidos têm cometido no próprio passado” - afirma Tom - “Posso ajudá-los para o que se tornarão em futuro”. [35]

Não se pode ignorar que a estrutura em questão custa, anualmente ao estado norueguês, 8 milhões de euros, para um investimento sobre as prisões que totalizou 2 milhares de euros. O estado italiano, pelo contrário, gasta anualmente 3 milhões de euros por mais de 50.000 detidos.

Nesta “prisão de baixa segurança” os detidos vivem uma vida “normal”, livres (não obstante tenham que ficar em casa da 23 às 7 horas) e chamados a trabalhar ou estudar. Os detidos podem contribuir e ser remunerados, trabalhando na cozinha, cuidando dos animais e de plantas ou fazendo obras de marcenaria. Podem trabalhar como jardineiros, mecânicos ou empregados de limpeza. Relativamente ao estudo, os detidos que não têm completado o primeiro ciclo de escolaridade devem completá-lo; os que não têm completado o ciclo final de escolaridade (na Noruega dos 16 aos 18 anos) podem acabá-lo e escolher varias disciplinas quais: informática, línguas estrangeiras, agrária, sociologia, matemática e musica.

Se nos Estados Unidos há prisões quais como Trent Camp, onde os detidos vivem en tendas e expostos aos agentes atmosféricos”. Em Bastoy passe-se o contrário.

Nós estamos aqui para formar os cidadãos, os vizinhos de casa. Um dia estas pessoas sairão da prisões e serão livres. Gostaria de ter um hipotético vizinho de casa para ti e a tua família em futuro? Por exemplo um homem reintegrado na sociedade, doente ou zangado, que foi detido vários anos por actos incivis?

A resposta do director do instituto foi convincente e os dados oficiais deram-lhe razão. [36]

Não se trata, talvez, de uma forma de protecção da dignidade do condenado?

Ao detido, deve ser garantida uma pena efectivamente temporária, quer dizer, uma sanção de carácter jurídico que se extinga no período previsto por lei e que não cause legados. Em outras palavras, uma vez cumprida a pena, o detido pode ser capaz de se reintegrar naquela comunidade que em passado o excluiu por ter cometido um crime.

Caso isto não aconteça, é quase certo o risco da exclusão social enquanto, o individuo pode repetir os crimes cometidos anteriormente.

Um homem privado da sua dignidade é considerado uma besta e, enquanto tal, pode agir por sentimentos de auto-preservação. Portanto, por satisfazer as próprias necessidades, o individuo comete roubo, fraude ou algo pior.

 

Cassazione 2014: o caso do "viciado"

Concluída a analise, vai ser proposto um exemplo provocatório que ressalta quais e quantas criticidades se manifestam na passagem do mundo académico ao mundo do direito em si.

De facto, por um lado, poder-se-ia concordar sobre a necessidade – abstracta – de tutelar adequadamente a dignidade do condenado; por outro lado, haverá quem concorde com a decisão da Corte di Cassazione [37] em se referir com a palavra “viciado”, também ao individuo condenado por violência sexual. É um crime referir-se desta maneira a uma pessoa condenada por violência sexual?

Na verdade, uma primeira reacção seria escandalizar-se frente a uma medida considerada leve. Com um juízo mais ponderado, poder-se-ia concordar com a sentença da Corte recém-mencionada que tem afirmado o seguinte: “A honra e a reputação são bens pessoais que não podem ser gratuitamente e por nenhuma razão prejudicados, até quando os indivíduos não têm sido condenados por crimes muitos graves. Portanto, referir-se a uma pessoa com a palavra “viciado”, pode originar o crime de injúria (caso a persona ofendida estava presente ao momento da ofensa) ou o crime de difamação (caso aconteceu em publico)”.

A denominação de “viciado” pode ser considerada ofensiva e por conseguinte pode integrar um ilícito penal, na altura em resultará lesiva da honra (portanto, da dignidade), quando o individuo tenha cumprido a própria pena. No momento em que esta ultima foi cumprida, o respeito a dignidade do condenado implica que o seu passado “seja esquecido”.

Desta maneira, evita-se que a pena jurídica acompanhe outra de carácter social e que resulte permanente.

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Referências Bibliográficas

[1] Ordem e progresso, que é o slogan presente na bandeira do Brasil. 

[2] I. Kant, Fondazione della metafisica dei costumi, IV, p. 293.

[3] Luftsicherheitsgesetz do 11 de Janeiro de 2005.

[4] BVerfG - 1 BvR 357/05.

[5] O Conselho da Europa foi criado em 5 de Maio de 1949 com o Tratado de Londres. Hoje em dia, o Conselho tem 47 Estados membros.  

[6] Relatório de Setembro 2015 disponível aqui: http://www.icj.org/september-icj-e-bulletin-on-counter-terrorism-and-human-rights-no-96/

[7] The International Commission of Jurists (ICJ) é uma organização não governativa que se ocupa da tutela dos direitos humanos. A Comissão é constituída por um grupo de 60 juristas (entre juízes, procuradores e académicos) que asseguram o respeito dos standards internacionais relativos aos direitos humanos. Objectivo desta comissão é levantar reflexões sobre as diversidades geográficas e políticas mundiais e, por conseguinte, dos sistemas jurídicos. 

[8] Interessantes, relativamente à organização mencionada, resultam os resultados obtidos por nações quais: Reino Unido, Suécia, Alemanha, Turquia, Ucrânia, Federação Russa, etc. 

[9] Sujeitos pelos quais é possível recorrer à presunção de inocência.

[10] Com a violação do artigo 10 do Pacto Internacional onde, "salvo circunstâncias particulares, os imputados devem ser separados dos condenados e receber um tratamento diferente, conforme às condições das pessoas não condenadas". 

[11] http://www.gruppoabele.org/flex/cm/pages/ServeBLOB.php/L/IT/IDPagina/1397

[12] Dados do Ministério da Justiça que refletem a situação anterior ao 31 de Dezembro de 2013.

[13] A medida prevê, caso deva ser executada uma pena preventiva inferior a 12 meses, que o Ministério Público suspenda a execução do mandado de detenção e transmita a documentação ao juiz de vigilância, para que ele permita a actuação da pena domiciliária. 

[14] Comité pela prevenção da tortura. 

[15] Proibição da tortura: ninguém pode subir torturas, nem penas ou tratamentos degradantes e inumanos.

[16] Introduzido o 21 de Fevereiro de 2011.

[17] Permanecem "congeladas" centenas de instâncias presentadas que ainda não foram comunicadas pelo governo italiano (ou seja, as que não apresentam ainda um procedimento) e que levantam o problema da sobrepopulação prisional. 

[18] O primeiro caso refere-se à sentença de 11 de Março de 2014 com que, a High Court of Justice Queen's Bench Division Administrative Court evidencia a violação do artigo 3 da CEDU, no caso Badre c. Court of Florence enquanto, foi recusado o pedido de extradição do cidadão da Somália Hayle Abdi Badre (motivado com o perigo do homem em subir tratamentos inumanos e degradantes dentro de uma estrutura penitenciária italiana. O Tribunal inglês considera o fenómeno da sobrepopulação prisional como uma problemática fortemente difundida, sistemática e estructural, isto é, uma espécie de mal funcionamento crónico do sistema penitenciário italiano que, no caso aqui referido, determina a recusa da concessão da extradição (que de certa forma impicaria uma violação dos direitos humanos, referidos ao artigo 3 da CEDU. O segundo caso origina o pedido da Procuradoria de Palermo à Westminster Magistrates' Court de Londres, relativamente à extradição de Domenico Rancadore,  detido em Agosto de 2015 na capital britânica pelos policiais ingleses, através de indicações das autoridades italianas enquanto, viveu escondido por 20 anos. Racandore foi condenado à revelia a sete anos de prisão pelo crime de organização criminosa de carácter mafioso, extorsão e outros delitos graves. O juiz, inicialmente convencido pela garantias do Governo italiano, recusou a instância de extradição por causa do alto risco de tratamentos desumanos e degradantes, em violação dos standards de tutela promovidos pela CEDU, que o estado italiano deve executar com base na sentença Torreggiani e altri c. Italia. 

[19] Além da violação do artigo 13 da CEDU, para a ausência de medidas efectivas que tutelem os direitos fundamentais dos detidos. 

[20] Na altura da redacção da sentença, eram ainda pendentes 450 instâncias de violação do artigo 3 da CEDU, referida à Hungria. Uma avaliação do tribunal mostra que o numero de instâncias é somente indicativo e pode crescer. 

[21] Cabe mencionar o denominado "decreto svuota-carceri" (Decreto Legge, testo coordinato 23/12/2013 n° 146, G.U. 21/02/2014).

[22] Com estas palavras expressou-se o Ministro da Justiça italiano Orlando, em ocasião das celebrações para o 25 de Abril de 2015.

[23] Deveriam representar a regra e não a excepção. 

[24] Actualmente, o limite penal que permite o acompanhamento em regime de prova aos serviços sociais é de 4 anos mas, os pressupostos mais graves (período de observação), com respeito a hipótese ordinária que permanece a três anos. Reforçam-se com urgência os poderes do juiz de vigilância.

[25] Temporariamente (dal 1° de Janeiro de 2010 ao 24 de Dezembro de 2015).

[26] Nestes termos expressou-se o jurista Spangher em "Brevi riflessioni sistematiche sulle misure cautelari dopo la L. n. 45 del 2015", pubblicado em penalecontemporaneo.it

[27] Novos artigos 280 e 274, lett. c, c.p.p. 

[28] Paragrafo 1bis do artigo 275 do c.p.p

[29] Pequeno resumo do caso judiciário. "O caso originou a instância do cidadão italiano Bruno Contrada, cujo caso é bastante noto e controverso. Director-Geral da Polícia do Estado, Contrada foi acusado de colaborar com "Cosa Nostra" e, no dia 15 de Abril de 1996 foi condenado pelo Tribunal de Palermo pelo crime de organização criminosa de tipo mafioso, ex. artigos 110 e 416 bis, parágrafo 3 do Código Penal e, com base nas declarações de alguns "arrependidos" (i.e. Gaspare Mutolo, Tommaso Buscetta, Giuseppe Marchese, Salvatore Cancemi), foi também condenado a dez anos de prisão e à pena acessória da suspensão do direito de exercer um cargo público (com a aplicação, uma vez terminada a pena, da liberdade condicional por três anos. Com a sentença do 4 de Mario de 2001, o Tribunal de apelação de Palermo absolvia Contrada dos crimes pelos quais era imputado em quanto "o facto não subsiste" dado que, não foram encontradas "manifestações significativas" da intenção do homem em "ajudar a associação", considerando qualificável uma hipótese (não verificada durante as investigações iniciais), de prescrição e outros crimes. Através da instância da Cassazione efectuada pela Procuradoria geral da República de Palermo, o Supremo Tribunal italiano, com sentença da segunda secção penal de 12 de Fevereiro de 2002, considerou fundamentada a instância do Ministério Público, anulando assim reenvio à sentença para o dia 4 de Maio de 2001. O envio a julgamento de segunda instância frente ao Tribunal de apelação de Palermo (o processo durou 31 audiências) reconhecia Contrada culpável de ter concorrido na associação mafiosa de "Cosa Nostra" e, portanto, condenava definitivamente à pena de dez anos de prisão, confirmando integralmente a sentença de condenação de primeira instância emitida pelo Tribunal de Palermo em 5 Abril de 1996. Na decisão de reenvio emitida pelo Tribunal de apelação de Palermo de 25 de Fevereiro de 2006, Contrada propus um motivado recurso à Corte di Cassazione. Com a sentença de 10 de Maio de 2007, depositada no dia 8 de Janeiro de 2008, a Suprema Corte di Cassazione, a sexta secção penal recusava o recurso do imputado, confirmando definitivamente o que foi estabelecido na sentença do 25 de Fevereiro de 2006. Sempre no dia 2 de Janeiro de 2008 Contrada obrigou o próprio advogado em apresentar uma instância de revisão do processo que o condenou enquanto, não obstante no dia 24 de Setembro de 2011 o Tribunal de apelação considerava "não manifestamente infudado" tal pedido, em 25 de Junho de 2012 a Cassazione declarava inadmissível a revisão em questão, pondo fim ao caso Contrada". A síntese aqui referida é de V. Manca e é disponível em penalecontemporaneo.it. 

[30]  Comissão Europeia dos direitos do homem, 29 de Janeiro de 2009, Antropov c. Russia, ric. n. 22107/03; Comissão Europeia dos direitos do homem, 30 de Setembro de 2010, Pakhomov c. Russia, ric. n. 44917/08; Comissão Europeia dos direitos do homem, 7 de Dizembro de 2010, Porumb c. Romania, ric. n. 19832/04; Comissão Europeia dos direitos do homem, 16 de Dezembro de 2010, Kozhoar c. Russia, ric. n. 33099/08.

[31] Comissão Europeia dos direitos do homem, 26 ottobre 2000, Kudla c. Polonia, ric. n. 30210/96.

[32] Em particular, o caso tratava de fraudes de IVA.

[33] C. Beccaria, Dei delitti e delle pene, cap. 19, 1763.

[34] Sent. Torreggiani

[35] Declarações presente no artigo do  Corriere.it e disponvíveis aqui: http://reportage.corriere.it/esteri/2015/bastoy-il-a-senza-sbarre-dove-i-detenuti-sognano-di-entrare/?refresh_ce-cp

[36] O excerto é extraído do artigo do Corriere.it indicado anteriormente. 

[37] Corte di Cassazione, sez. V Penale, sentenza 16 luglio – 13 ottobre 2014, n. 42825, Presidente Palla – Relatore Settembre.