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Pubbl. Ven, 6 Nov 2015

A liberdade de escolha do tratamento médico: evolução jurídica e interpretação de alguns órgãos europeus sobre o método Stamina

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Salvatore Aromando


A evolução jurídica do caso Stamina parece ter chegado a uma conclusão pacífica. Revemos as fases do debate jurídico sobre este método sanitário muito discutido, comparando-o com casos parecidos (p. ex. o método Di Bella) e as orientações jurisprudenciais nacionais e internacionais.


A dimensão axiológica do direito à saúde, juntamente às próprias criticidades da técnica jurídica de equilibragem de interesses contrapostos, é devida ao instável e concluído caso do "método Stamina" (1).

As três recentes sentenças sobre este tema, desconhecem a validade científica do método enquanto, " Não existem resultados consolidados sobre o tipo de célula a usar, a via de administração do medicamento, a capacidade de diferenciação e o real benefício clínico determinado por este tipo de tratamentos. (...) Em relação à vasta documentação depositada por Stamina ao Ministério de Saúde e ao Instituto Superior de Saúde, têm-se concluído que não se trata de publicações científicas sobre o método usado mas estudos relativos ao uso de células estaminais mesenquimatosas, ligado a determinadas patologias em que o método Stamina não é mencionado" (Sexta Secção Criminal da Corte di Cassazione n. 24242/2015)1a.

A continuação: "o denominado tratamento Stamina está constituído por um medicamento imperfeito cuja administração é potencialmente perigosa para a saúde pública e, pode gerar o recurso aos crimes referidos nos artigos 443 e 445 do Código Penal os quais, são o fundamento da medida de sequestro preventivo. Tal tratamento constitui a todos os efeitos um medicamento imperfeito enquanto, não é realizado segundo as rigorosas prescrições científicas ou segundo os preceitos da técnica farmacêutica, cuja administração é considerada perigosa pelo legislador, independentemente dos efeitos negativos ou de os que se produzem na saúde dos pacientes sempre que, o perigo não seja um requisito do facto mas o mesmo motivo de infracção penal" (Sexta Secção Criminal da Corte di Cassazione n. 24243/2015)1b.

A pronuncia de cisão da Corte di Cassazione arquiva o complexo caso Stamina que, a causa das incertezas no plano científico e o conseguinte stop normativo, tem gerado gritantes injustiças às pessoas que desejavam aceder ao método Stamina. Na verdade, em Maio de 2012, a AIFA (Agenzia Italiana del Farmaco) ordenou através de uma inspecção disposta pela Procuradoria de Turim, a "recolherem amostras, transportes, manipulações, culturas, armazenamentos e administrações de células humanas na Azienda Ospedaliera Spedali Civili de Brescia, em colaboração com a Stamina Foundation Onlus".  

A interrupção das terapêuticas, inaugura uma fase caracterizada por inúmeras queixas procedentes das famílias com crianças afectadas por doenças neurodegenerativas e pacientes que, através dos tribunais locais, pediam o acesso ao acompanhamento médico proposto por Davide Vannoni ou a continuação do mesmo. Contudo, nem todos os pedidos foram aceites enquanto, houve uma disparidade de tratamento entre os vários recorrentes, agravada pelo defeito de determinados pontos normativos e de adequados conhecimentos científicos. A decisão relativa ao acesso à terapêutica, foi deixada à opinião subjectiva do juiz. 

Em particular, muitos dos pedidos realizados, focaram-se na preocupação da qualificação normativa da terapêutica Stamina. Um exemplo, é o caso de Celeste Ferrer, uma criança afectada por atrofia muscular espinal (AME) que, por efeito da terapêutica, conheceu uma redução da evolução da doença. A instância de reactivação do tratamento foi aceite a partir da pressuposição que "não se trata de uso terapêutico do medicamento sob ensaio clínico mas, o tratamento compassivo sobre um caso individual, regulamentado pela lei Turco-Fazio de 5 de Dezembro de 2006". 

O decreto em questão, refere-se aos medicamentos por terapêuticas avançadas e, com base no artigo 1, permite os seus usos na terapêutica genética e àquela com células somáticas, também fora dos ensaios clínicos e em falta de uma valida alternativa terapêutica sob a responsabilidade de um médico proscrito e dos pacientes. Quanto às qualidades do medicamento, outra condição que será referida ao paciente, prevê que "sejam disponíveis os dados científicos que justificam o seu uso, publicados em revistas internacionais especializadas" e, além disso, que seja adquirido um parecer favorável do Comité da Ética.  

No regulamento em análise, os pontos que certificam o nível científico do método são frágeis dado que, como refere a normativa, insistem na existência de outras condições de necessidade da terapêutica enquanto única alternativa possível e a falta de efeitos secundários que, relacionados a um tratamento compassivo, têm que propor uma decisão adequada a cada caso para a protecção da saúde.

A fim de evitar novas situações ligadas ao parecer subjectivo do juiz, foi introduzido o Decreto-lei n°24 de 25 de Março de 2013, denominado Legge Balduzzi, que dispõe a continuação e a realização de tratamentos com medicamentos de células estaminais mesanquimatosas, começados antes da entrada em vigor do decreto, mesmo que eles sejam "preparados em laboratórios não conformes aos princípios das normas europeias de boa fabricação dos medicamentos"

Contudo, esta solução normativa, tem suscitado ásperas polémicas, lamentáveis a persistência de um regime discriminatório em aceder ao método Stamina, baseado em um mero critério temporal. 

Na realidade, com a sentença n° 274 do 5 de Dezembro de 2014, o Tribunal Constitucional tem excluído a ilegitimidade da Lei Balduzzi esclarecendo que, as decisões relativas as escolhas terapêuticas não competem ao legislador enquanto, são o resultado de investigações científicas e experimentais, efectuadas por instituições e órgãos técnico-científicos; a Lei denunciada por inconstitucionalidade, representa uma derroga ao regulamento, justificado pela excepcionalidade e pela urgência determinadas através de acções judiciárias. 

Em Setembro de 2013, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pronunciou-se de forma análoga ao tribunal recentemente mencionado sobre o caso de Nivio Durisotto. O homem, lamentava a violação dos artigos 2, 8 e 14 da Convenção enquanto, através do Decreto Legislativo 24/2013, o Governo italiano tem introduzido uma disparidade de tratamento em aceder ao método Stamina, determinando assim uma violação ao direito à vida e à saúde da sua filha a que, foi negado o recurso ao tratamento, além da violação à sua privacidade. 

Tal pronuncia, foca-se em três pontos essenciais: em primeiro lugar, salienta-se, relativamente ao acesso a tratamentos compassivos, que o margem de discricionariedade dos outros Estados membros é vasto e, em segundo lugar, que a validade científica da terapêutica em questão, não tem sido comprovada. Portanto, o juízo internacional, não pode cumprir avaliações sobre o grau de risco aceitável dos pacientes em recorrer a terapêuticas experimentais, substituindo as escolhas discricionais de cada Estado membro. Além disso, cabe relevar a violação da privacidade dado que, o decreto de 2013 perseguiu " o objectivo de tutelagem da saúde" e que, a diferença de tratamento entre as pessoas afectada por patologias semelhantes, é regida por um fim lícito, baseado numa relação proporcional entre os meios empregados e as finalidades perseguidas. 

Substancialmente, o Tribunal tem evidenciado o carácter compromissório da solução normativa dado que, na óptica do direito de tutelagem da saúde pública, resulta arriscado o acesso generalizado a tratamentos que não têm validade científica, por outra parte, negar absolutamente o recurso ao método Stamina, teria significado o sacrifício dos interesses das pessoas que já tinham começado o tratamento, não encontrando efeitos nocivos. 

Estes casos levam a uma reflexão: se é verdade que o direito à saúde é intrínseco ao principio de autodeterminação, isto é, declarar a liberdade de escolha do tratamento médico, qual é a extensão da esfera da liberdade individual? Ou melhor, sendo claro que a liberdade de escolha do tratamento médico não se pode resolver através de qualquer tratamento terapêutico patrocinado pelo Sistema Nacional de Saúde, em que medida é configurável um direito subjectivo a experimentar novos fármacos ou novas técnicas médicas em casos de sujeitos afectados por patologias "incuráveis"?

Enfrentam-se exigências contrapostas: por um lado, o controlo rigoroso sobre a não - nocividade dos fármacos e das terapêuticas, na óptica de tutelagem da segurança da saúde pública e do bom funcionamento da Administração Pública; por outro lado, não impedir uma esperança de vida ao individuo. Trata-se de um paradigmático conflito de interesses que tem a ver principalmente com o domínio dos "tratamentos compassivos". 

Desde um ponto de vista normativo, uma resposta parcial é dada pelo decreto ministerial do 5 de Maio de 2003 que disciplina o uso terapêutico de um medicamento testado a ensaio clínico. O artigo 1 permite o uso de um medicamento produzido em um laboratório farmacêutico autorizado ou eventualmente importado regularmente, que seja objecto de ensaio clínico e para um uso fora do mesmo "quando não exista uma valida alternativa terapêutica ao tratamento de patologias graves ou de doenças raras ou de condições de doenças que põem em risco a vida do paciente". Portanto, um facto evidente, é o carácter excepcional do acesso a tratamentos ainda não autorizados, como forma para melhorar ou só para evitar de piorar as condições de saúde do paciente. O recurso a terapêuticas não comprovadas é sem condição nenhuma enquanto - como refere o artigo 2 - devem ser executados estudos clínicos experimentais, sejam eles concluídos ou não, em casos de particulares condições da doença que põem em perigo a vida do paciente, de estudos clínicos já concluídos na Fase II e, enfim, os dados adquiridos devem ser "suficientes para formular um juízo favorável à eficácia e à tolerância do fármaco". 

Isto significa que, o direito individual em recorrer a tratamentos compassivos, não é possível saltar o processo do ensaio, ou seja, encontrar novas tentativas de tratamento que devem ter obtido controlos de Fase III (em que é comprovada a eficácia do método através de numerosos doentes voluntários, comparando-a com a metodologia standard) ou pelo menos na Fase II (com estudos efectuados sobre um certo número de voluntários para verificar a segurança e o efectivo beneficio terapêutico). Neste caso, o paciente testa a eficácia do fármaco ou da terapia, num estadio experimental em que, pelo menos, foi comprovada a tolerância. O acesso antecipado constitui o ponto de equilíbrio entre a exigência da certeza científica e a liberdade de tratamento médico do individuo, ambas pertencentes ao direito à saúde, respectivamente, na sua dimensão colectiva e individual. 

Diferentemente, verifica-se o direito aos tratamentos compassivos na hipótese em que, têm começado os estudos experimentais. A declaração do paciente em aceder a uma terapêutica de que não se conhece a ausência de nocividade - declaração equivalente à responsabilidade própria do risco - pode ser reconhecida como valida só no caso em que exista um nível mínimo de dados científicos (obtidos também da literatura científica) que confirmem uma probabilidade do beneficio e que o risco seja proporcionado ao beneficio esperado. Caso não haja muita lógica, o principio de autonomia do paciente terá que sucumbir repetidamente o acesso ao tratamento cientificamente não comprovado e requererá uma intervenção do Sistema Nacional de Saúde.  

Trata-se de um principio expresso pela Corte di Cassazione na sentença de 4 de Setembro de 2004 n° 18676. Não obstante seja reconhecido o direito à rogação por parte do Sistema Nacional de Saúde de tratamentos tempestivos, que não estão a cargo do serviço público, fazem parte do direito à saúde e, portanto, não sendo susceptível de fraca intensidade, tal pretensão deve-se conjugar com o principio de adequação, referido no Decreto Legislativo n° 502 do 30 de Dezembro de 1992. 

O direito à rogação de tratamentos a cargo do Sistema Nacional de Saúde não é configurável como direito potestativo baseado na escolha pessoal mas, como um pedido que se foca entre os benefícios esperados e os potenciais efeitos negativos sobre as condições de vida do paciente, com referência sobretudo ao período de recuperação das capacidades funcionais. 

Na realidade, o caso Stamina, tem proposto novamente, problemas já destacados no "método Di Bella". Cabe mencionar o regulamento da Pretura de Milão de 1998 em que, através de uma solução análoga examinada pela Cassazione foi expresso o seguinte: "se é verdade que não se pode impedir a um doente o medicamento que ele deseja adquirir, não se pode evocar um direito subjectivo a que a autoridade da saúde pública tenha que participar activamente na decisão de administração de substâncias e, em geral, de terapêuticas com efeitos cientificamente não reconhecidos. É assumido que o "método di Bella" nunca foi experimentado segundo nenhuma das vigentes - nas palavras dos técnicos - modalidades de ensaio clínico (...). Se isto é verdadeiro, o mesmo não se pode definir um "tratamento sanitário" mas, só uma hipótese de tratamento sanitário à espera de uma avaliação científica. Então, é possível afirmar que estamos fora do direito à administração de tratamentos terapêuticos e que não existe um direito a experimentação pessoal de qualquer hipótese terapêutica que seja sustentada pelo serviço público".

 

 

Notas

  • 1a: Cass., Sez. Pen. VI, Num. 24242/2015
  • 1b: Cass., Sez. Pen. VI, n. 24243/2015

 

 

Fontes bibliográficas e webgráficas:

  • http://www.biodiritto.org/
  • http://www.salute.gov.it/
  • http://farmacia.unich.it/
  • http://erewhon.ticonuno.it/
  • Diritto Costituzionale, Temistocle Martines Istituzioni di diritto privato, a cura di Mario Bessone


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