Pubbl. Mar, 16 Ago 2016
A cobardia no direito penal militar italiano
Modifica paginaA resposta sancionatória do direito penal frente ą cobardia em épocas de paz e de guerra.
1. Premissa
É no conceito de guerra ou de conflito que está radicado, desde um ponto de vista histórico o de honra. Não obstante hoje em dia este valor não seja exclusivo do ambiente militar, enquanto é intrínseco a outros âmbitos sociais (laboral e de lazer), é sobretudo nas Forças Armadas, na Polícia ou relativamente às categorias profissionais que oferecem um serviço à comunidade que este conceito é bastante evidente, não só como parâmetro de legitimidade moral para o ser humano que age numa determinada situação, mas pode assumir também relevância jurídica.
De facto, existem varias previsões legislativas, também externas ao contexto militar, que de forma implícita e explicita abrangem o conceito de honra. Por exemplo, os profissionais que exercem funções no ambiente jurídico, devem jurar de “observar com lealdade as leis do Estado e de cumprir conscientemente os direitos relativos ao seu trabalho».[1] O mesmo passa-se com um capitão de um navio enquanto, com base no artigo 1097 do Codice della navigazione, pode ser sancionado por ter abandonado o navio.
É no âmbito da ética militar que a honra assume uma posição central na maneira de agir do militar, frente as próprios companheiros, aos civis e ao inimigo. Uma posição relevante no plano moral e jurídico. O soldado romano despedido por honestia missio, tinha direito a uma indemnização por cessação de contrato pecuniariamente conspícua[2] ou a uma propriedade rural colonial[3]. Ao soldado que não era cidadão romano era concedido o ius connubii.
O tratamento ágil pedido nesta sé não permite reflexões ulteriores mas consente definir o conceito de honra, base substancial do tratamento sancionatório dos comportamentos de cobardia, previstos pelo ordenamento militar italiano.
2. A cobardia
A definição de honra tem sido positivada[4] pelos códigos da Cavalaria medieval. Na sua última versão de 1926, o artigo 5 do Código de Cavalaria italiano dispõe o seguinte: «a honra é determinada pela estima e pela consideração que um individuo honesto tem adquirido na opinião pública, através de ações sempre conformes aos ditames das leis naturais e civis. Entre cavalheiros, o sentimento da honra deve dominar todas hierarquias dos deveres».
Este valor, é aplicável a cada comportamento do militar que, em prestar o juramento disposto pela lei[5], se compromete a «[…] cumprir, com disciplina e honra, os deveres» do seu estado.
É evidente que por fins gerais e preventivos seja necessária uma resposta sancionatória do Estado, frente à violação do dever de agir com honra.
Definida a cobardia enquanto atitude do cobarde, isto é, a pessoa que por ser pusilânime não cumpre os próprios deveres ou não enfrenta riscos e perigos[6], é compreensível a maneira com que o Legislador tem mencionado nos códigos o comportamento do militar cobarde.
A legislação penal militar do Reino de Itália referia-se aos valores e aos princípios acima mencionados. O artigo 91 do Código Penal do Exército italiano[7] sancionava com um período mínimo de dez anos o militar que durante um combate e sem a autorização do próprio comandante tenha gritado de se render ou um cessar-fogo. Com base no artigo 92, era condenado à pena de morte o militar que, frente ao inimigo, tivesse abandonado a sua posição e não tivesse realizado uma eventual estratégia de defesa.
A jurisprudência chamou à atenção relativamente à cobardia, no facto de o militar ter abandonado o combate e os seus companheiros[8] ou um seu superior[9], ou também, ao militar que não tivesse aberto o fogo, fugido com um grupo de reacionários.[10]
Através da análise doutrinal e jurisprudencial da época, é evidente que a cobardia se resolvesse, em cada ratio da disposição legislativa ou da decisão e não como elemento constitutivo do crime. Na verdade, a perda de valor da conduta, era representada pela violação dos deveres militares.
É com a legislação atual que o conceito de cobardia não só aparece positivado mas apresenta também a qualidade de elemento penal das realidades aqui referidas e, simultaneamente, é uma função dogmático-classificatória, tanto que o c.p.m.g (Codice penale militare di guerra) tem previsto um titulo inteiro dedicado aos crimes de cobardia.
3. A cobardia no Codice Militare di Pace
A cobardia tem relevância através de duas modalidades.
Em primeiro lugar, com base no artigo 47 do c.p.m.p., a cobardia pode agravar o crime. De facto, o ter agido por temer um (eventual) perigo ao que o culpado tinha que se expor, implica um aumento da pena. Por exemplo, no caso do militar que recusa executar a ordem de “sair em patrulha” por medo de ser objeto de ações, por parte de de delinquentes ou forças adversárias, será imputada a desobediência agravada.
Em segundo lugar, a cobardia assume uma verdadeira qualificação penal no artigo 137 do c.p.m.p., que incrimina o militar que cumpra ações provocantes susto e desordem, durante uma tempestade, um naufrágio, um incêndio ou outra circunstância de perigo grave.
Trata-se de um crime cujo elemento subjetivo é constituído pelo dolo. Contudo, é possível afirmar que é suficiente o dolo eventual dado que, ao militar que tenha previsto as consequências da própria conduta, fruto de susto e desordem, é possível que o fato lhe seja debitado como crime. Ontologicamente configurável mas desde um ponto de vista normativo impossível é a tentativa. O agente só é punível se susto e desordem têm uma origem e se através deles nasce um evento que possa comprometer a segurança de um posicionamento militar. É evidente que se trata de uma estrutura incriminatória bastante complexa desde um ponto de vista probatório porque, além da prova do dolo, será necessário verificar os eventos provocados pelo agente, idóneos a provocar susto[11] ou desordem[12], relativamente a outros indivíduos (militares ou civis) mas, através desta situação e com o nexo da casualidade comprovado, a segurança de um lugar militar é comprometida.
O tratamento sancionatório consiste na detenção militar de cinco a seis anos. A esta medida adiciona-se a remoção[13]. O culpado não tem direito a conservar a própria graduação militar e, portanto, é removido do próprio cargo. Trata-se de uma sanção acessória, herança antiga do direito romano[14] que, na época moderna, consistia numa verdadeira celebração militar publica, onde o condenado perdia os graus militares, as medalhas e o sabre era quebrado.
No plano processual, é um crime pelo que não é prevista uma eventual conversão da pena detentiva.[15]
4. A cobardia no Codice penale militare di guerra
Mais severa é a resposta sancionatória sobre a cobardia do Codice penale militare di guerra. Em caso de conflito, uma manifestação da cobardia não só seria idónea a gerar em outros sentimentos de emulação, mas também na altura em que estes sejam gerados, iria abalar a coesão da unidade militar e garantiria uma vantagem evidente para as forças adversárias. Cabe observar como o código bélico ofereça uma definição positivada da cobardia como «medo de um perigo pessoal».[16]
Exposto o seguinte, o c.p.m.g. dedica no titulo «crimes contra o serviço militar», o conjunto seguinte a crimes cujos elementos comuns são a cobardia e contexto espácio-temporal da tarefa (durante o combate), isto é, a condição em evitar a atribuição a planos de projeção. Os artigos de 108 a 118 incriminam, portanto, aquelas pessoas que assumem um comportamento cobarde, enquanto violação do dever jurídico próprio do militar em se expor a um perigo, por exemplo, através de mutilações voluntárias (artigo 115), de incitamento à desistência (artigo 109), de atos fraudulentos que evitem a exposição (mesmo potencial) ao combate (artigos 115 e 117) e a omissão recusada de factos ligados à cobardia (artigo 114).
É interessante observar como esta estrutura normativa, que em épocas de paz tende a desvalorizar a causa da ação criminosa, sancione severamente e com precisão as realidades ligadas aos crimes de cobardia no contexto bélico.
Na verdade, a cobardia é, nestes casos, uma ação criminosa com caráter estrutural da norma incriminadora. A jurisprudência e a doutrina convergem sobre este ponto.
No único caso em que o juiz militar republicano tem aplicado o artigo 118 do c.p.m.g.[17], a ação criminosa tem assumido relevância relativamente a decisão do G.U.P. militar.
Este último, na sentença no. 28 de 24 de fevereiro de 2005, observa que «a não conformidade a deveres militares, relativamente à aplicação do artigo 118, tem que considerar somente aquelas ações que encontrem na cobardia a própria origem, ou seja, a própria causa. Portanto, é necessário que o medo pessoal ocupe exclusivamente a alma do sujeito ativo, tanto que o leve (independentemente de qualquer outra consideração) a abater aquele conjunto constituído por prescrições que disciplinam o serviço, muro que deveria ser um reparo, cuja tarefa é deixar intacto o senso do dever».
Referências Bibliográficas
[1] Art. 9, R.D. 12/1941.
[2] Numeraria missio.
[3] Agraria missio.
[4] Observe-se como os Códigos da Cavalaria sejam um mero conjunto de costumes da cavalaria; art. 4 do Código da Cavalaria italiano, 1926.
[5] Art. 575 del D.P.R. 90/2010, TUOM.
[6] Def. Vocabolario Treccani.
[7] Anteriormente, aplicava-se também aos carabineiros.
[8] Trib. Supr. di guerra e marina, 4 giugno 1877.
[9] Trib. Supr. di guerra e marina, 2 gennaio 1877.
[10] Trib. Supr. di guerra e marina, 16 agosto 1870.
[11] Entendida como perturbação psíquica forte e improvisa, surgida na altura em que se sente a presença de um perigo.
[12] Entendida como perturbação do ordinário desenvolvimento de uma atividade.
[13] Cfr.: art. 70, 1° comma, numero 5), l. n. 113/1954 (ufficiali); art. 60, 1° comma, numero 7), l. n. 599/1954 (sottufficiali e volontari di truppa); art. 40, 1° comma, numero 7), l. n. 833/1961 (app. e finanzieri); art. 34, 1° comma, numero 7), l. n. 1168/1961 (app. e carabinieri).
[14] Apresentava três tipos de medidas: a militiae mutatio, a transferência por motivos sancionatórios, a gradus dejectio, a retrocessão à graduação e a ignominiosa missio, ou seja, a expulsão.
[15] Art. 260 c.p.m.p.
[16] Art. 114 c.p.m.g.
[17] «O militar que por medo de um perigo pessoal viole alguns dos deveres ligados ao serviço ou ao âmbito disciplinar, é sancionável, caso o facto não constitua um crime mais grave, com a detenção militar, máximo de dois anos».
Imagem: Conrad Schumann fugge da berlino est, foto de Peter Leibing